No comando das pickups há 15 anos, a brasiliense Débora Carvalho, de 39 anos, conhecida como DJ Donna, é enfática ao dizer que Brasília não é mais a capital do rock. \”Toco em muitos lugares e vejo o quanto os ritmos se misturam por aqui\”, afirma. Residente — profissional que atua costumeiramente na casa — de grandes festas locais e convidada para discotecar Brasil afora, ela começou com música eletrônica e hoje seu estilo mistura rap, hip-hop, trap e ragga. \”Adapto minha lista ao evento, mas sempre com foco no som de qualidade.\”
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Donna é uma das personagens que comprovam a diversidade musical brasiliense. Pensando nessa característica da identidade do DF, o governo, por meio da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão, lança nesta quarta-feira (15) a candidatura de Brasília para integrar a Rede de Cidades Criativas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) na categoria música. Em 1987, a capital do País recebeu da organização o título de Patrimônio Cultural da Humanidade.
\”Independentemente de qualquer incentivo, as manifestações culturais criativas ocorrem de forma espontânea\”, ressalta a secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão, Leany Lemos. \”Brasília costuma ser associada à política e à arquitetura: somos muito mais que isso.\”
Para subsidiar a campanha pelo título, um grupo de trabalho formado por servidores das Secretarias de Planejamento, Orçamento e Gestão e de Cultura analisou o conteúdo musical do DF e reuniu informações (que inclui galerias de imagens, vídeos e links) em um hotsite — página temporária na internet criada apenas para uma ação específica —, ainda em fase de elaboração. A plataforma destacará trabalhos sociais focados em educação musical e espaços icônicos, como o Clube do Choro. A Unesco avaliará o material até 30 de novembro e, em 11 de dezembro, divulgará as cidades eleitas.
Samba
Os sambistas do grupo Filhos de Dona Maria, criado há quatro anos, também reconhecem a mudança no cenário musical brasiliense. \”Percebemos o tanto que os gêneros de cultura popular, como o maracatu e o coco (gêneros típicos do Nordeste), ganham espaço\”, afirma o percussionista Artur Senna. Para ele, a localização geográfica é um diferencial. \”Fazemos esse intercâmbio com outras cidades, daí a grande mistura em todos os sentidos.\”
No samba, o músico percebe um crescente surgimento de grupos e o aumento do público nas apresentações. Também integram o grupo Khalil Santarém (cavaquinho e voz), Amílcar Paré (violão e voz) e Vinícius Oliveira (percussão e voz). Com influências da capoeira, do samba de terreiro e do jongo, o Filhos de Dona Maria apresenta-se mensalmente em um local que integra a identidade de parte da música de Brasília, o Círculo do Operário do Cruzeiro, palco de apresentações de samba e pagode.
Categorias
Criada pela Unesco em 2004, a Rede de Cidades Criativas tem como objetivo estimular a cooperação e a partilha de experiências entre as localidades participantes. A ideia é partilhar experiências. A lista completa, dividida em sete categorias (artesanato e arte popular, artes e mídia, cinema, design, gastronomia, literatura e música), conta com 69 cidades.
Em 2014, duas capitais brasileiras integraram a rede: Florianópolis (SC), na categoria gastronomia, e Curitiba (PR), em design. Neste ano, o País entra na disputa com Santos (SP), em cinema, Belém (PA), em gastronomia, e Brasília (DF) e Salvador (BA), na categoria música. Caso tituladas pela Unesco, as cidades musicais integrarão a lista formada por Bogotá (Colômbia), Bolonha (Itália), Brazavile (República do Congo), Glasgow (Escócia), Gante (Bélgica), Hamamatsu (Japão), Hanôver (Alemanha), Mannheim (Alemanha) e Sevilha (Espanha).
Reconhecimento
Se a candidatura de Brasília for bem-sucedida, o governo pretende explorar o título, para desenvolver o turismo, a cultura e a economia locais. \”Vamos atrair olhares internacionais, o que é essencial para o turismo; também é uma forma de pensar elementos para o currículo escolar e aumentar o acesso a fundos e recursos, sem contar que será um orgulho para aqueles que vivem aqui\”, resume a secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão.
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Para o compositor Alberto Salgado, o título ajudará a elevar a autoestima cultural da cidade. \”É importante percebermos de forma mais ampla o que há além do eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Exportamos músicos de altíssimo nível: grandes professores, intérpretes e compositores\”, destaca o violonista, que ganhou 15 prêmios em festivais e dividiu o palco com artistas como Hermeto Pascoal, Manassés de Souza e Kiko Klaus. Em 2015, foi premiado como melhor intérprete de MPB pelo Prêmio Profissionais da Música.
Violonista nascido e criado em Sobradinho, Salgado mescla clássico, popular, samba, choro e bossa. Ele aproveita para citar grandes nomes originários de Brasília. \”Temos o Hamilton de Holanda, o Ocelo Mendonça [membro da orquestra sinfônica] e o baixista Jorge Helder, que acompanha artistas como Chico Buarque e Maria Bethânia\”, exemplifica. \”A capital de todos os ritmos também tem compositores como Cacá Pereira e Zelito Passos, que, apesar de não serem brasilienses, aqui encontraram a inspiração para seus trabalhos\”, acrescenta. \”Vimos recentemente o reconhecimento de dois grandes trabalhos da nova geração, a Ellen Oléria e a banda Scalene.\”
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