O Distrito Federal está em liquidação. Não, não é aquela feita pelos lojistas, que estão enfrentando a recessão provocada pelas medidas econômicas. Essa é promovida pelo próprio poder público. O termo da moda, agora, é concessão de gestão. Mais um nomezinho para disfarçar a privatização de bens e serviços públicos.
A prática, que não é nova, está sendo cogitada tanto pelo governo Federal quanto pelo GDF. No caso da União, a pechincha da vez é a Água Mineral, em Brasília, e o Parque da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. No caso da Capital Federal, a lista é grande: Centro de Convenções, Parque da Cidade, e até as estações do BRT-Sul estão na lista de privatizáveis.
A mais recente oferta é o Complexo Poliesportivo Ayrton Senna, que engloba o ginásio Nilson Nelson, a Piscina Coberta Cláudio Coutinho, o Parque Aquático e o bilionário Estádio Mané Garrincha, além de todas as estruturas de uso popular que circundam o complexo, exceto o Autódromo Nilson Nelson.Quem arrematá-lo poderá ficar com ele até 2052.
Na linha do pensamento econômico liberal, a concessão de bens públicos é apontada como a saída para a crise financeira por que passa o Estado, seja ele a União ou o DF. Dizem que o Poder Público é incompetente em gerir serviços dessa natureza e que a iniciativa privada pode fazê-lo bem melhor. Será?
Para responder, é importante olhar para experiências passadas e verificar que, na prática, muitas vezes, a privatização representou a elevação dos custos para os usuários e no uso hiperintensivo do bem público que se recebe, com quase nenhum melhoramento e, quando não há mais uma gota de sangue para sugar, devolve-se o esqueleto para o poder público.
De pé na cova
É esse o quadro de seis cemitérios do Distrito Federal. Quando privatizados, em 2002, o Consórcio DCB/empresa Campo da Esperança Serviços Gerais Ltda – com a qual a ex-deputada Eliana Pedrosa tinha vínculos, segundo a CPI dos Cemitérios da CLDF −, de uma só tacada, elevou os preços dos enterros em até 300%. Nem por isso, o cidadão passou a ter um serviço melhor. Pelo contrário, a Controladoria-Geral do Distrito Federal concluiu que o GDF deve romper com a concessionária por descumprimento de suas obrigações.
Entre os problemas encontrados pela fiscalização estão a má conservação dos jazigos, túmulos quebrados e até sepultamento na posição vertical de três corpos numa mesma cova de terra nua, sem as paredes de concreto. Foi verificada ainda falta de higiene no local das exumações, com insetos e roedores passeando pelas instalações, falta de estacionamento e de vagas para deficientes e idosos e rampas para cadeirantes (que eram exigidas no contrato de concessão), além de “ganhos exorbitantes por parte da concessionária”, “e “possível sonegação de receita”, o que gera prejuízo para o GDF, já que o governo tem direito a 5% do que é faturado. A concessionária deveria também criar um crematório no Distrito Federal, mas nunca cumpriu com a obrigação.
Velozes
Em 1996, no Governo Cristovam Buarque, o Autódromo Nelson Piquet foi arrendado à empresa do piloto de Fórmula 1 que deu nome à pista. O contrato era de dez anos, passíveis de ser renovado por igual período. Na época, dizia-se que o equipamento passaria a contar com uma administração competente e seria tocado por quem entende do assunto. Fato é que, em 2006, o Tribunal de Contas do Distrito Federal determinou o fim do contrato com a NZ Empreeendimentos, de Piquet.
As justificativas seriam problemas na prestação de contas das bilheterias e da publicidade – sobre as quais o GDF teria uma participação − e má conservação de infraestrutura. Determinadas melhorias, como a colocação de novos guardrails, teriam sido, segundo o TCDF, maquiadas com o reposicionamento das antigas proteções.
E assim, o GDF herdou de volta um autódromo ainda mais sucateado do que havia arrendado. Na ocasião, o GDF teve que investir R$ 200 mil reais, num arremedo de reforma, e, hoje, são necessários cerca de R$ 20 milhões para que aquele espaço possa ser chamado novamente de autódromo.
Com as prateleiras do governo cheias de ofertas, várias dúvidas apresentam-se:
– Terá o poder público condições e estrutura e expertise fiscalizadora para que não se repitam os casos de sonegação de receitas e descumprimento contratual verificados nos casos já citados?
– Que garantia o contribuinte brasiliense tem de que não receberá uma sucata caindo aos pedações ao final do contrato?
– Teremos gestores públicos e privados penalizados pelo insucesso de tal iniciativa, caso ela ocorra?
– Há, efetivamente, empresas especializadas e com capital para tocar esses negócios e que não sejam aventureiros em busca do dinheiro rápido e fácil?
Bem, são respostas que só o governo pode dar. Mas parte desses problemas é evitável com regras firmes no edital de licitação e nos contratos. Muitas vezes, porém, esses contratos são confeccionados por encomenda dos empresários interessados, como em relação à licitação dos ônibus de Brasília, conforme concluiu a CPI do Transporte Coletivo. A privatização dos cemitérios foi condenada à época pela Procuradoria do DF, mas o Buriti ignorou o parecer.
Regras subjetivas e pouco severas também é o caso do edital de licitação da Água Mineral, em que o Tribunal de Contas da União (TCU) já determinou ao ICMBio uma série de exigências para sanar problemas antes que a licitação da privatização do parque aconteça.
O brasiliense já pagou muito caro por esses espaços. Em vários casos até com superfaturamento. Alguns deles representaram a precarização da saúde, da segurança e da educação públicas. O mínimo que ele quer é ver seu imposto rendendo os frutos para os quais foram pagos. Ter condições de usufruir tais equipamentos e não ter que pagar tudo novamente, e novamente e novamente.} else {