Concebida com grandes ruas e avenidas, Brasília – quem diria? -, entupiu suas artérias aos 58 anos de idade e hoje é a décima cidade sul-americana mais engarrafada, segundo a empresa de gestão de GPS TomTom, que monitora o fluxo de trânsito no mundo inteiro. Ela mede engarrafamentos em 390 cidades de 48 países. Ela mensura o que chama de “tempo extra de viagem”. As campeãs de engarrafamento na América do Sul são, pela ordem, Rio de Janeiro, Santiago, no Chile; e Buenos Aires, na Argentina.
A pesquisa afere apenas o tempo em transporte individual. Outros modais não são contabilizados. No caso de Brasília, não são levados em conta os engarrafamentos do Entorno. Isto pode tornar a espera ainda maior. Cinco outras cidades brasileiras estão na lista mais crítica: Salvador, Recife, Fortaleza, São Paulo e Belo Horizonte. Porto Alegre, Brasília e Curitiba – pela ordem -, abrem a relação de cidades que estão com o sinal amarelo aceso.
Se no passado diziam que a Capital Federal havia sido projetada para seres dotados de cabeça, tronco e rodas, em 2017, com uma frota de 1.716.406 veículos registrados no DF, as rodas travaram. O brasiliense gastou, em média, 20% a mais do seu tempo retido em engarrafamentos. A perda de tempo chegou a 35% nos horários de pico matutinos e a 50%, nos vespertinos. Em 2017, o trânsito reteve os motoristas por 97 horas além do necessário. É como se o motorista tivesse ficadoquatro preso dentro de seu veículo.
E a cada ano a demora aumenta. Em 2016, o tempo preso no trânsito nos horários de pico era 10% e 5% menor pela manhã e tarde, respectivamente. “A cidade projetada por Lúcio Costa pode se transformar num previsível inferno viário”, vaticina o urbanista e professor na UnB, Frederico Flósculo.
A Estrada Parque Núcleo Bandeirante é a campeã de retardamento. A EPTG; a EPDB (no trecho que vai do Balão do Aeroporto à Floricultura do Núcleo Bandeirante); a EPIA Norte, próximo à Água Mineral; a EPIA Sul, próximo ao Catetinho; a EPIG, e diversos pontos da EPCT (DF-001) também são gargalos críticos. Há diferença também dentre os dias da semana. Pela manhã, os engarrafamentos são mais intensos às segundas e terças-feiras. À tarde, as quintas e sextas-feiras são os dias mais intricados.
Pouco investimento
Essa realidade do trânsito no DF decorre da falta de investimentos em transporte público. Embora tenha sido incluída no PAC do Crescimento em 2007, no PAC da Copa em 2009 e no PAC da Mobilidade em 2014, Brasília não soube usar os recursos e perdeu a oportunidade de expandir a linha do metrô e de implantar o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Arruda, Rosso, Agnelo e Rollemberg perderam o bonde da oportunidade e, de legado, deixaram engarrafamentos.
Nessa década, a frota de carros particulares triplicou no DF. Agora, o GDF conseguiu da Uniãoa quarta parte dos recursos ofertados no passado. Dos quase R$ 1,2 bilhão, receberá R$ 276 milhões, o que só dá para fazer 3,6 km de linha do metrô, mais duas estações em Samambaia e modernização da existente linha 1. Se não houver novas frustrações, em 2021 essas duas novas estações estarão operando.
Especialista em mobilidade urbana, Paulo Cesar Marques, da Universidade de Brasília, analisa que o trânsito no DF se deteriora paulatinamente em consequência da opção pelas soluções rodoviaristas. Desde o governo Arruda, o GDF opta pelos ônibus modelo BRT. Muito dinheiro foi investido na adaptação da EPTG e da EPIA e, agora, na Saída Norte. Pouco se investiu em metrô, VLT e em trem regional. “É uma política que agrava o problema da saturação do sistema viário em vez de resolvê-lo. A saída é a priorização do transporte coletivo e a adição de medidas restritivas ao uso do automóvel e, em longo prazo, políticas que reduzam a necessidade de viagens” – diz ele. “Sempre centralizaram os recursos em serviços de ônibus e entregaram a um grupo restrito de empresários, que, por sua vez, sempre bloquearam a ideia de transporte público de massa que sirva ao conjunto da população e integre estruturalmente todos os bairros da cidade”, salienta Flósculo.