Por 18 votos a favor e 9 contra, a comissão especial da Câmara dos Deputados que discute a regulação do uso de agrotóxicos aprovou, segunda-feira (25), projeto que abre a possibilidade de comercialização no Brasil de produtos com características tetatogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas. Trocando em miúdos: venenos que podem causar anomalias no útero e má-formação no feto, com potencial de causar câncer ou de causar mutações genéticas.
O texto original (PL 6.299/02), aprovado no Senado, é de autoria de Blairo Maggi (PP-MT), atual ministro da Agricultura do governo Temer (MDB). Na Câmara, tramita como iniciativa do deputado Luiz Nishimori (PR-PR). Da forma como foi aprovado na comissão, o Ministério da Agricultura poderá liberar o uso de agrotóxicos antes do aval do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O projeto agora segue para o plenário da Câmara e depois retornará ao Senado, antes de ser encaminhado para sanção presidencial. A bancada contrária à matéria promete se mobilizar para evitar que ele chegue ao Palácio do Planalto ainda este ano, enquanto Michel Temer estiver na presidência da República.
Lava Jato– Se virar lei, será um retrocesso de 40 anos na legislação que regula o setor. A “Lei do Veneno”, como já é conhecida, é de autoria da bancada ruralista e conta com total apoio dos evangélicos e de outros grupos de parlamentares conservadores. Maggi é alvo da Operação Lava Jato e indiciado em vários crimes pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas continua solto, cumprindo seu papel de representante do agronegócio nos gabinetes do poder federal.
Ataque à Constituição Cidadã
As novas normas anulam por completo a atual legislação do setor, que é de 1989, considerada bastante satisfatória. A lei 7.802, daquele ano, regulamentou as determinações da Constituição, após inúmeros debates na Assembleia Nacional Constituinte com todos os setores da sociedade.
A lei só contemplará os grandes produtores de venenos e os ruralistas. Os primeiros recolocarão no mercado produtos hoje proibidos em muitas partes do mundo e terão mais facilidade de fazer publicidade e aumentar suas vendas. Já os ruralistas são os grandes aplicadores de venenos nas lavouras. Com isso, poderão aumentar produção sem qualquer preocupação com a preservação do meio ambiente.
Os produtos aplicados nas lavouras deixarão de ser classificados como “agrotóxico”, passando a usar o nome de “defensivo fitossanitário”, inclusive nas suas embalagens. Um eufemismo para não trazer à lembrança que estes produtos também são tóxicos para seres humanos, categoria em que o Ministério da Saúde inclui todos os pesticidas, não apenas os de uso na agricultura. Vale, por exemplo, para os matadores de insetos de uso doméstico.
O controle da produção e comercialização desses venenos sairá das áreas de meio ambiente (Ibama) e saúde (Anvisa), ficando exclusivamente a cargo do Ministério da Agricultura. Serão, também, reduzidas as exigências na concessão de licenças de fabricação.
O que importa é o lucro rápido
Aos ruralistas, pouco importa se os solos serão degradados, a fauna e a flora nativas eliminadas e o ser humano contaminado, com grande número de mortes. Querem é ver o lucro rápido, em lavouras extensivas, predatórias, com destaque às de soja, milho e cana-de-açúcar.
A médica-veterinária Cláudia Costa Saenger, que pesquisa a distribuição espacial da intoxicação por agrotóxicos agrícolas em seres humanos em Goiás, diz que o problema vem se agravando ano a ano. “Dados do Ministério da Saúde e do governo estadual revelam uma média anual de 195 casos de intoxicação, o que coloca o estado como um dos maiores em notificações, quando comparado a outras unidades da federação pela proporção de litros de agrotóxicos/hectare”, afirma.
Segundo Saenger, enquanto a venda de agrotóxicos duplicou de 2007 a 2016 em Goiás, o número de vítimas deles mais do que triplicou, mesmo levando-se em conta a quantidade de casos que não são notificados. Em ocorrências de câncer, por exemplo, nem sempre a doença é relacionada à sua verdadeira causa.
Sob o pretexto de matar insetos, muitas empresas multiplicam seus lucros. Na década de 1940, para eliminar o mosquito transmissor da malária, o governo adotou o chamado fumacê, com o produto Shelltox. Anos depois, descobriu-se que o fumacê era danoso à saúde humana.
Incontáveis setores da sociedade têm se manifestado contra o projeto. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), de São Paulo, divulgou nota técnica em que afirma que o Brasil segue na contramão do resto do mundo ao flexibilizar as normas que regulam o uso de pesticidas.
Significa que a nova lei dos agrotóxicos é uma praga maior que se avizinha.
(*) Com informações de agências e de Jaime Sautchuk
MPF aponta inconstitucionalidade e ameaça ir ao Supremo
Para o Ministério Público Federal (MPF), o projeto de lei que flexibiliza o registro de agrotóxicos é inconstitucional e pode ser alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF). Caso apresente uma ação deste tipo ao Supremo, mesmo após a lei ser aprovada no Legislativo e no Executivo, a medida pode ser considerada inconstitucional e ter artigos vetados pelo Judiciário.
Em nota técnica encaminhada ao Congresso Nacional antes da aprovação da matéria na comissão especial da Câmara, o MPF aponta como pontos passíveis de inconstitucionalidade, primeiramente, o fato de o PL dispensar os vendedores de advertir os consumidores sobre os malefícios decorrentes do uso de agrotóxicos. Os procuradores destacaram que é necessário que os agricultores reconheçam os produtos como tóxicos e perigosos e não como meros insumos agrícolas.
Em outro ponto destacado pelo MPF, a proposta retira dos estados e do Distrito Federal a possibilidade de legislar sobre a matéria, o que viola a Constituição Federal. O documento protesta ainda contra a mudança da palavra “agrotóxico” por “pesticida”, nos termos do projeto. “A eventual substituição da palavra \’agrotóxico\’ visa estabelecer um caráter inofensivo a substâncias que, manifestamente, não o são”, afirma o subprocurador-geral da República Nívio de Freitas.
A nota técnica conclui que o PL está na contramão da preocupação mundial com o meio ambiente e a saúde. Além de retirar a responsabilização penal do empregador em caso de descumprimento às exigências estabelecidas na Lei.