Alvo de uma operação da Polícia Federal, na quarta-feira (3), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) viu seu nome envolvido num inquérito que apura fraudes em certificados de vacinação contra a covid-19 no sistema do Ministério da Saúde. Segundo as investigações, o certificado de Bolsonaro e o da sua filha foram adulterados em 2022, às vésperas da ida do então presidente para os Estados Unidos, antes da posse de Lula, para não participar da tradicional cerimônia de entrega da faixa presidencial.
A operação Venire, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, investiga o cometimento dos crimes de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistema de informação e corrupção de menores. Somados todos os tipos penais previstos, a condenação pode chegar a 21 anos de prisão.
O relatório da PF afirma que Bolsonaro sabia da inserção dos dados falsos de imunização contra a covid-19. Segundo os investigadores, a fraude pode ter sido realizada “com o objetivo de gerar vantagem indevida para o ex-presidente relacionada a fatos e situações que necessitem de comprovante de vacina contra a covid-19″.
Em desdobramento das investigações, a PF aponta que o suposto esquema criminoso de fraude na vacinação envolvendo Bolsonaro teve origem em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Foram servidores da Prefeitura de Caxias que inseriram no Sistema Único de Saúde (SUS) os dados falsos de vacinação do ex-presidente, de sua filha Laura, de dois assessores e do deputado Gutemberg Reis (MDB). Posteriormente, a exclusão dos dados também foi feita por uma funcionária do município.
Uma servidora disse, em depoimento à polícia, que era coagida a fornecer a senha para inserção de dados (adulteração) de carteiras de vacinação. Os malotes com as apreensões feitas no Rio chegaram a Brasília na quinta (4). Os investigadores vão analisar todo o material coletado nos endereços dos alvos, inclusive os celulares apreendidos com o ex-presidente Bolsonaro e com o tenente-coronel Mauro Cid.
Discurso antivacina
Segundo a PF, as fraudes nos dados de vacinação de Bolsonaro foram motivadas para marcar posição ideológica junto à sua base de apoio durante a pandemia. O delegado Fábio Alvarez Shor, que está à frente da Investigação, afirma que na representação enviada ao STF, “a recusa em suportar o ônus do posicionamento contrário à vacinação, associada à necessidade de manter hígida, perante seus seguidores, a ideologia professada (não tomar vacina contra a covid-19), motivaram a série de condutas criminosas perpetradas”.
Com o desdobramento dessa operação, o ex-mandatário pode se complicar junto à Justiça. Há seis inquéritos tramitando que constam Bolsonaro como investigado. Um deles investiga as milícias digitais, supostamente comandadas pelo “gabinete do ódio” que funcionava no Palácio do Planalto. Foi no bojo dessa investigação (das milícias digitais) que Moraes autorizou a ordem de busca e apreensão na residência de Bolsonaro, bem como a prisão de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente.
Interpretação ampliada
Em sua decisão, Moraes afirma que a suposta fraude no cartão de vacinação de Bolsonaro era central para manter a coerência da campanha de desinformação contra imunizantes da covid. No entendimento do magistrado, inclusive, esse é o principal argumento para vincular a operação ao inquérito das milícias digitais, sob sua relatoria e o esquema para inserção de dados falsos sobre a vacinação do coronavírus no sistema do Ministério da Saúde.
Alguns criminalistas contestam a decisão de Moraes, visto que as provas relativas à suposta fraude foram encontradas a partir da quebra de sigilo do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, devido a movimentações suspeitas identificadas na conta bancária dele no âmbito do inquérito que apura o vazamento de uma investigação da PF sobre um ataque hacker no Tribunal Superior Eleitoral.
Para esses juristas, nesse caso, o encontro fortuito de provas em que não há uma vinculação direta entre o crime inicialmente investigado e o outro suposto delito identificado demanda que a nova apuração seja encaminhada a um novo juiz. Moraes, então, estaria expandindo a sua seara de atuação ao puxar para o processo das Milícias Digitais.
Bolsonaro nega qualquer tipo de adulteração no seu certificado de vacinação. Para o ex-presidente, a operação da PF, que apreendeu seu celular, visa criar um factóide. A defesa do ex-presidente expediu comunicado informando que ele “nunca recebeu qualquer imunizante contra a covid”, e que durante seu mandato, só ingressou em países que aceitassem o fato de ele não ter sido imunizado ou a realização de teste viral no momento de entrada.