O fantasma da privatização ronda novamente o Parque Nacional de Brasília (PNB), em especial as estruturas da Água Mineral. O PNB entrou na lista de privatizações previstas pelo governo Bolsonaro. A iniciativa reforça a declaração do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que na reunião ministerial de 22 de abril recomendou aproveitar a pandemia da covid-19 para mudar regras ambientais que podem ser questionadas na Justiça.
O anúncio da privatização do PNB foi feito segunda-feira (10) pela secretária especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), do Ministério da Economia, Martha Seillier. Mas não é a primeira vez que a administração federal cogita privatizar a Água Mineral. No governo de Michel Temer, o então ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, incluiu o PNB e o Parque da Chapada dos Veadeiros no rol de parques privatizáveis. Editais chegaram a ser lançados.
A privatização da Chapada foi concluída, mas a concessão da Água Mineral não avançou porque o Tribunal de Contas da União (TCU) bloqueou a iniciativa, em 2017. Entretanto, ao contrário do governo Temer, a gestão Bolsonaro quer privatizar toda a gestão do Parque Nacional de Brasília, com os seus 42.300 hectares de área, e não apenas as piscinas e trilhas.
Ainda não foram divulgadas as regras do novo processo de privatização, mas a assessoria de comunicação do PPI informa que a concessão à iniciativa privada será de toda a área do parque e “envolve a proteção de sua área e seu manejo, assim como a exploração de atividades em áreas como a das piscinas e estruturas associadas. Os serviços a serem explorados deverão atender aos requisitos legais e regulamentares associados ao parque, devendo respeitar integralmente as condições estabelecidas no Plano de Manejo da Unidade de Conservação.”
Área abriga barragem de Santa Maria
É de se ressaltar que o segundo principal reservatório de água potável do Distrito Federal, a Barragem de Santa Maria, está no interior do PNB. Um decreto federal ainda oficializará a decisão da privatização e, só então, serão iniciados os estudos com vistas à modelagem do projeto de negócio e estruturação da concessão. “É nessa fase que serão avaliados e detalhados os aspectos técnicos, econômicos, financeiros e ambientais da concessão”, que nortearão o edital da licitação e a gestão, informa a assessoria do PPI.
Esses estudos definirão as atividades internas que poderão ser alvo de exploração comercial, as respectivas tarifas e também o prazo em que o Parque será repassado à iniciativa privada. O governo garante que tudo será submetido a audiência pública para que todos os interessados possam avaliar a modelagem da concessão e os seus aspectos, encaminhando suas contribuições.
Em 2016, o edital então lançado pelo ICMBio permitia a cobrança fracionada de serviços no interior do Parque. Assim, por exemplo, o usuário pagaria para entrar, mas poderia ser cobrado em separado para estacionar, fazer trilhas, andar de bicicleta. As regras também permitiam a transformação da Água Mineral em um Parque Aquático e a instalação de um centro para a realização na área interna do parque de festas, eventos e convenções.
Para alguns especialistas ouvidos à época pelo blog do Chico Sant’Anna, o nível de externalidades – poluição sonora, e impacto de iluminação, além da ampliação de frequência de usuários de tais atividades – poderiam colocar em risco a condição de unidade de conservação ambiental, afugentando animais e afetando a flora.
O Ministério da Economia ainda não definiu as regras que remunerarão a União pela empresa vencedora, nem quanto e como ela poderá cobrar dos usuários. Salientou apenas que é “importante destacar que o objetivo da concessão não é arrecadatório, o que se almeja é garantir maiores investimentos para proteção e visitação do parque, elevando o nível da experiência de seus usuários.”
Espaço perde função social
Para o professor da Universidade de Brasília, Roberto Max Lucci, em se concretizando a privatização, nos moldes preconizados no governo passado, Água Mineral perderia a sua função social e de unidade de conservação ambiental e viraria um espaço elitizado e caro. “Se tornaria em um clube privado para os moradores do Noroeste”. diz ele.
Ao divulgar as deliberações da 13ª Reunião do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Martha Seillier disse que a proposta é qualificar a Água Mineral no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e incluí-lo no Plano Nacional de Desestatização “para fins de concessão da prestação de serviço público, de apoio à visitação, bem como serviços de conservação e recreação em contato com a natureza.” Além do PNB, o governo Bolsonaro pretende privatizar também o Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina.
TCU – O Tribunal de Contas da União informou que a decisão emitida em 2017, impedindo a privatização, não mais se aplica. “No processo TC 011.887/2017-6, cujo objeto pode ser sintetizado como a concessão de uso da área no Parque Nacional de Brasília, o TCU considerou, ao final, prejudicada a apreciação por perda de objeto, dado que o ICMBio revogou o referido edital (Acórdão 2626/2017 – TCU – Plenário). Além disso, atualmente, existe um normativo legal que autoriza a concessão em Unidades de Conservação. Por fim, o PPI, em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente e o ICMBio, aprovou diversos processos de desestatização/concessão de Parques Nacionais, cabendo ao TCU a fiscalização dos processos de desestatização segundo a IN TCU 81/2018. Até o momento, não localizamos novo processo aberto sobre o tema.”
PSol quer anular decreto
Abancada do Psol na Câmara Federal apresentou, na terça-feira (11), Projeto de Decreto Legislativo para anular o decreto do presidente da República que incluiu o Parque Nacional de Brasília no Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República (PPI).
“A ação do governo configura-se como mais um grave retrocesso à proteção e ao fortalecimento da gestão de florestas públicas no Brasil e abre margem para mais ataques à gestão ambiental brasileira, a despeito do contínuo aumento dos índices de desmatamento em áreas públicas, mesmo em meio a uma pandemia”, argumenta o texto assinado pelos parlamentares do partido.
Pedido de informação – O advogado Marivaldo Pereira e o jornalista Chico Sant’Anna — ex-candidatos ao Senado pelo PSol-DF — protocolaram cinco pedidos de informações sobre a privatização da Água Mineral. Eles solicitaram ao governo federal cópia integral do processo que deu origem ao decreto assinado por Bolsonaro.
Os autores destacaram que a unidade de conservação abriga reservatório de água responsável pelo abastecimento de parte da população da capital do país e que a privatização do parque poderia colocar em risco o manancial. O Parque Nacional abrange as regiões administrativas de Sobradinho e Brazlândia, no DF, e o município goiano de Padre Bernardo.
Sant’Anna e Marivaldo entendem que a privatização de todo o Parque interfere em competências específicas do Instituto Chico Mendes (ICMBio), estabelecidas pela Lei nº 11.516/2007, que delega ao Instituto as funções de gestão, preservação e conservação (entenda-se. manejo ambiental) e não prevê a delegação a terceiros, muito menos à iniciativa privada. A lei também prevê que é competência do ICMBio executar os programas recreacionais de uso público (piscinas da Água Mineral).
Saiba+
O Parque Nacional de Brasília tem, praticamente, a idade de Brasília. Foi criado na gestão de João Goulart, em 29 de novembro de 1961, quando o País estava sob o regime de governo parlamentarista. Por isso, o Decreto nº 241/1961 é assinado pelo então Primeiro Ministro Tancredo Neves.
O PNB possui área total de 42.300 hectares, neles são desenvolvidas pesquisas com a fauna e a flora do Cerrado. É comum a presença de onças, tamanduás e outros mamíferos. Duas piscinas, Areal e Pedreira, são as principais atrações para o usuário comum, além de um leque de trilhas para caminhada e ciclismo e um ponto de observação de aves.
(*) Com informações do blog Brasília por Chico Sant’Anna