Nos últimos 90 dias, desde o registro do primeiro caso de covid-19 no Brasil, o país assistiu, incrédulo, o Presidente da República adotar uma postura negacionista diante da letalidade do novo coronavírus. Jair Bolsonaro colocou o socorro à economia à frente da preservação de vidas das vítimas da covid-19.
Na outra ponta, a maioria de governadores e prefeitos optou pela adoção de medidas de distanciamento social, para evitar a disseminação do vírus. Mesmo debaixo de chibata, inclusive com manifestações antidemocráticas de simpatizantes bolsonaristas que pedem o fechamento do Legislativo e do Judiciário, os líderes do Congresso Nacional e do STFnão desistiram da possibilidade de diálogocom o chefe do Executivo.
Bolsonaro manteve-se irredutível inclusive a sancionar decisão das duas Casas legislativas de socorro a estados e municípios na forma de um auxílio financeiro de R$ 60 bilhões. O Presidente foi fiel à cartilha do ministro da Economia, Paulo Guedes, de não aumentar despesas – mesmo em meio à enorme crise sanitária – sem, antes, garantir uma fonte de receita.
E onde Guedes foi buscar esse dinheiro? No bolso do servidor público. De quebra, o ministro ainda conseguiu reforçar o caixa do Tesouro em R$ 70 bilhões, após a ajuda a ser repassada aos demais entes federativos a partir de junho. A conta é simples: O governo federal vai enviar R$ 60 bilhões para estados e municípios nos próximos quatro meses, em quatro parcelas, e economizar R$ 130 bilhões com o não pagamento de reajustes para o funcionalismo até o final de 2021. Ou seja, sobram R$ 70 bilhões.
Portanto, na briga da maré (Bolsonaro) contra o rochedo (governadores, prefeitos, Congresso e Supremo), quem se deu mal, mais uma vez, foi o marisco – o servidor público. Ao final, o Presidente ainda sai com o discurso fortalecido: Caso a pandemia continue devastando vidas, como tudo indica que ocorrerá, não poderá ser acusado, futuramente, de não ter ajudado os estados e municípios. Se aparecer um tratamento de cura e prevenção (vacina) para a covid-19, terá preservado a imagem de que tentou, contra tudo e contra todos,evitar o dano que ela causou à economia.
Regra de Ouro – De quebra, o Congresso ainda autorizou o governo, via PLN 8/20, a abrir crédito suplementar de R$ 343,6 bi, em 2020, para pagar gastos correntes como benefícios previdenciários e salários de servidores, descumprindo a chamada “regra de ouro”, que proíbe a União de se endividar para financiar esse tipo de despesa. Sem isso, Bolsonaro poderia cometer crime de responsabilidade, ficando sujeito a um processo de impeachment. Para entrar em vigor, a norma só depende da sanção do próprio Presidente da República.
Dessa suplementação, R$ 213,7 bi serão usados para pagar o Regime Geral de Previdência Social (RGPS); R$ 41,3 bi vão para o Ministério da Defesa; R$ 15,1 bi para o MEC; R$ 4,9 bi para o Ministério da Agricultura e R$ 4,2 bi para a Saúde, além de R$ 22,5 bi para o pagamento de precatórios (sentenças judiciais das quais não é possível mais recorrer).
Saiba+ – O auxílio financeiro que a União entregará a estados em quatro parcelas nos próximos 4 meses, de acordo com o PLP 39/2020 será assim dividido: R$ 10 bilhões para ações de saúde e assistência social (R$ 7 bi para estados e R$ 3 bi para municípios). Os demais R$ 50 bi serão fatiados em R$ 30 bi para estados e o DF e R$ 20 para municípios.