Em um documento robusto, de 272 páginas, a Procuradoria-Geral da República (PGR) sustenta, em denúncia apresentada na terça-feira (18) ao Supremo Tribunal Federal (STF), que Jair Messias Bolsonaro (PL) liderou uma “organização criminosa” criada para “incitar a intervenção militar no País”.
Os investigadores do Ministério Público Federal não têm dúvidas: o ex-presidente e outras 33 pessoas, incluindo militares de alta patente e ex-ministros, planejaram minuciosamente um golpe de Estado para permanecerem no poder, mesmo contra a vontade da maioria dos brasileiros.
A partir do inquérito da Polícia Federal (PF) e de depoimentos como o do ex-ajudante de Ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, a PGR confirma que o ex-presidente não só tinha conhecimento, como participou de várias das ações arquitetadas para a execução do golpe, incluindo o plano batizado de “Punhal Verde e Amarelo”, para matar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF, Alexandre de Moraes.
“Os fatos narrados ao longo desta peça acusatória não deixam dúvidas de que o cenário de instabilidade social identificado após o resultado das eleições de 2022 foi fruto de uma longa construção da organização criminosa que se dedicou, desde 2021, a disseminar, por múltiplos canais, ataques aos poderes constitucionais e a espalhar a falsa narrativa do emprego do sistema eletrônico de votação para prejudicar Jair Bolsonaro”, afirma o procurador-geral, Paulo Gonet.
Live – Para as autoridades, são provas da participação ativa de Bolsonaro no suposto “plano de insurreição” a transmissão (live) que o então presidente fez nas redes sociais, em 29 de julho de 2021, durante a qual repetiu acusações já então desmentidas contra o sistema eleitoral, conclamando as Forças Armadas a agirem.
“A partir de então, os pronunciamentos públicos [de Bolsonaro] passaram a progredir em agressividade, com ataques diretos aos poderes constituídos, [de forma a] inculcar sentimento de indignação e revolta nos seus apoiadores e com o propósito de tornar aceitável e até esperável o recurso à força contra um resultado eleitoral em que o seu adversário político mais consistente triunfasse”, diz trecho.
Discurso de consumação
Entre as provas que Gonet afirma ter para comprovar que Bolsonaro tinha conhecimento e estimulava a proposta golpista está a cópia de um discurso que, supostamente, seria lido por ele durante a consumação do golpe.
O texto foi encontrado na sala do ex-presidente na sede do PL e, para a PGR, reforça o domínio que possuía sobre as ações da organização criminosa, especialmente sobre qual seria o desfecho dos planos traçados.
Uma segunda cópia do documento foi encontrada no aparelho celular de Mauro Cid, cujo depoimento à PF reforça a tese. De acordo com a denúncia, o ex-ajudante de ordens confirmou, por exemplo, que, em novembro de 2022, Bolsonaro e seu então assessor Filipe Garcia Martins Pereira discutiram a redação e posterior publicação de um decreto golpista, intervindo, inclusive, no Poder Judiciário e decretando a realização de novas eleições.
“De acordo com o colaborador [Cid], Bolsonaro fez, adiante, ajustes na minuta, submetendo à prisão apenas o ministro Alexandre de Moraes [do STF] e se limitando à realização de novas eleições presidenciais.
As informações prestadas pelo colaborador indicam que a primeira versão do documento foi submetida à apreciação de representantes das Forças Armadas, em reunião no Palácio da Alvorada. Na ocasião, Bolsonaro apresentou a minuta ao [então comandante do Exército] general Freire Gomes, ao [comandante da Marinha] almirante Almir Garnier e ao ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira”.
Defesa se diz estarrecida
Em nota, a defesa de Bolsonaro afirmou ter recebido “com estarrecimento e indignação” a denúncia da PGR e alegou que o ex-presidente “jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam”.
Em outro trecho, os advogados classificaram as investigações como “narrativa construída”. Nas redes sociais, escreveu, na quarta (19), que “o mundo está atento ao que se passa no Brasil. O truque de acusar líderes da oposição democrática de tramar golpes não é algo novo: todo regime autoritário, em sua ânsia pelo poder, precisa fabricar inimigos internos para justificar perseguições, censuras e prisões arbitrárias”. E acrescentou que “a liberdade irá triunfar mais uma vez”.
STF acelera julgamento
O próximo passo é a denúncia ser julgada pela Primeira Turma do Supremo, composta pelo relator, Alexandre de Moraes, e pelos ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux. Se a maioria aceitar a denúncia, Bolsonaro e os outros acusados viram réus e passam a responder a uma ação penal na Corte. A data do julgamento ainda não foi definida, mas pode ocorrer ainda neste primeiro semestre. As defesas têm até 6 de março para apresentar argumentação por escrito.
Outros denunciados
Braga Netto (foto) – Ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e vice na chapa de Bolsonaro em 2022, o general do Exército é apontado como líder da organização criminosa ao lado de Bolsonaro.
Augusto Heleno (foto) – O general da reserva do Exército e ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional na gestão Bolsonaro também integra o “núcleo crucial” da organização golpista.
Paulo Sérgio Nogueira (foto) – Ex-comandante do Exército e então ministro da Defesa, Oliveira endossava o conjunto de críticas ao sistema eleitoral. Chegou a declarar que a Comissão de Transparência Eleitoral, do TSE, era ‘para inglês ver’. Foi responsável por apresentar uma versão do decreto golpista aos comandantes das Forças Armadas e exerceu pressão para que os três apoiassem o movimento.
Almir Garnier (foto) – Ex-comandante da Marinha, o almirante pertence à célula principal da organização. Teve acesso às versões de decreto golpista. Segundo a denúncia da PGR, ao aderir ao movimento, se considerava um “verdadeiro patriota”. O posicionamento de Garnier foi um elemento de pressão para que o Exército e a Aeronáutica seguissem o mesmo caminho.
Mauro Cid (foto) – Tenente-coronel do Exército e principal ajudante de ordens de Bolsonaro, é o delator do esquema golpista. Atuava como porta-voz do ex-presidente na articulação e mantinha canais de comunicação com os demais envolvidos. Registros do decreto golpista foram encontrados em dispositivos eletrônicos dele.