Quando Flávia e Leno ganharam o primeiro filho, Matheus, em 2011, não tinham noção de que estavam recebendo um convite para participar de um novo mundo: o mundo azul das pessoas com transtorno do espectro autista. Matheus foi diagnosticado ao completar dois anos.
“Quando ele completou um ano e meio e não falava e nem atendia quando chamávamos o nome dele, começamos a observar e procurar especialistas, até que tivemos o diagnóstico”, lembra Flávia. Desde então, a vida da família Marçal, que mora no Pará mudou completamente.
“Tomamos um susto. Eu e Leno não tínhamos noção do que era ter um filho autista. Nossa primeira ação foi dar um abraço no Matheus, dedicar todo nosso amor e observar mais o seu mundo do que o nosso”, conta a mãe.
Flavia Marçal é advogada e esteve em Brasília na semana de 21 a 25 de janeiro para o lançamento do “Nortear”, novo parecer orientador do Conselho Nacional de Educação (CNE) para a educação de pessoas diagnosticadas com autismo. Além de mãe de uma criança autista ela é fundadora do @grupomundoazul, que já tem mais de 500 mães de crianças autistas. Ali, elas trocam ideias e experiências para melhorar a vida de seus filhos.
Aos nove anos, Matheus ganhou um irmãozinho, João, hoje com quatro anos, e é seu melhor amigo. Segundo Flávia, a convivência familiar é muito boa e todos se relacionam muito bem, com muito amor, carinho e respeito.
“Claro que acontecem momentos tensos. O Matheus tem coisas que só ele enxerga, que só ele sente, que só ele percebe. Mas resolvemos tudo com tranquilidade. O Matheus é muito carinhoso comigo, com o Leno, com o João e também recebe muito carinho. Socialmente ele convive muito bem também, mas prefere o convívio familiar”, afirma.
Desinformação vira preconceito
Para Flavia, a maior dificuldade é na escola (Matheus estuda num colégio regular). Segundo a mãe, ele tem uma boa relação com todos, mas o que mais a deixa chateada é a desinformação das pessoas acerca do autismo. “O desconhecimento sobre os direitos dos nossos filhos acaba virando preconceito”, afirma a advogada, que considera todos do @grupomundoazul como seus filhos também.
Com a nova legislação, Flávia acredita que muita coisa vai mudar em relação à atenção aos autistas. “Pretendemos que as redes educacionais públicas e privadas, profissionais, advogados, defensores públicos, promotores, juízes, educadores, família, sociedade em geral, e especialmente as próprias pessoas com autismo saibam quais são seus direitos na área educacional e tenham neste documento um norte sobre como garantir a efetividade desta inclusão”, destacou.
Nova realidade
Na segunda-feira (29), começou o ano letivo nas escolas particulares, e no dia 19 será a vez dos professores, alunos, coordenadores e diretores da rede pública se depararem com uma nova realidade nos estabelecimentos de ensino, receber e conviver muito bem com as crianças, jovens e adultos autistas, com comportamentos muitas vezes rejeitados e agredidos por preconceito no ambiente escolar e na sociedade.
A mudança será implementada em todas as escolas sob orientação das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes) que participaram, em Brasília, da apresentação do “Nortear: Parecer Orientador para o atendimento educacional ao estudante com Transtorno do Espectro Autista – TEA”, aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
O parecer foi apresentado no dia 23 de janeiro a todas Apaes do Brasil pelo CNE. As novas regras definem o atendimento que deve ser prestado a essas crianças, jovens e adultos que têm no preconceito e na falta de acolhimento ou atenção os principais motivos para não frequentarem a escola.
Respeito – “Tudo se resume em uma única palavra: respeito. Se tudo que norteia este conceito for feito e difundido dentro das escolas, todos terão uma convivência exatamente como preconiza a resolução do CNE”, explica a conselheira e professora Suely Menezes, autora do texto da nova resolução, aprovado na última assembleia do Conselho, no final do ano passado.
“Vale muito lembrar que uma em cada 36 crianças com 8 anos no Brasil tem autismo. Entretanto, discutir educação inclusiva no País, apesar de ser urgente, ainda é um desafio”, destaca o presidente do CNE, Luiz Roberto Liza Cury, principal articulador para a aprovação do Nortear no ano passado. Ele lembra que a legislação já existe, “mas, com a normatização no formato que estava sendo apresentado pelo CNE, ficará muito mais fácil a aplicação”.