Mario Pontes (*)
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Em 1980 o escritor italiano Umberto Eco alcançou a celebridade com um romance intitulado O nome da Rosa. A história se passa no entardecer da Idade Média, no interior de um mosteiro da Itália setentrional, onde além de valiosas obras de arte encontra-se a maior biblioteca da cristandade.
De repente o sagrado local transforma-se em palco de uma série de misteriosos assassinatos. Um peregrino estrangeiro, com faro de detetive, chega à conclusão de que os crimes foram cometidos pelo bibliotecário. Por quê?
Algum tempo antes ele havia descoberto que do acervo da biblioteca fazia parte um manuscrito antiquíssimo. Uma desconhecida obra de Aristóteles, filósofo que viveu na Grécia setecentos anos antes de Cristo.
Mas, em vez de alegrar-se com a posse do tesouro, o bibliotecário horrorizou-se. O sábio escrevera centenas de páginas sobre o riso. E não para defini-lo como sinal de tolice – como pensavam seus antecessores (com o que concordavam os teólogos cristãos) –, mas para considerá-lo como indício de saúde e equilíbrio mental.
A Idade Média acabou-se, e com ela a Inquisição, tribunal criado para condenar à tortura, ao calabouço ou à morte na fogueira os que fossem acusados de heresia, mesmo sem provas!… Não acabou-se, porém, a intolerância religiosa. Não falta mesmo quem se proponha a usar o poder civil para transformar o credo religioso em código penal.
Na semana passada um deputado evangélico apresentou à Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro um projeto de lei que obrigaria o Estado a multar, com o valor aproximado de vários automóveis, todo aquele que se atrevesse a sorrir, diante da enunciação de um dogma, seja lá qual for e por qual meio for.
Isso me lembra o Manual dos inquisidores, de Nikolai Eymerich, publicado em 1376. E de seu parente próximo, o Malleus malleficarum (Martelo das feiticeiras), da mesma época, escrito pela dupla de anjinhos Heinrich Kramer e James Sprenger.
Segundo esses manuais estabeleciam, bastava que o acusado elevasse um pouquinho a voz diante do Inquisidor para ser condenado. Um único depoimento contra, também era bastante para a condenação. O Inquisidor tinha poder para ordenar que uma testemunha – por ele julgada duvidosa – fosse torturada ali mesmo, no recinto tribunal.
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Será algo do gênero que os paranóicos intolerantes pretendem ressuscitar no Século XXI?
(*) Mario Pontes é autor de quatorze livros de ficção e ensaio, tradutor de outros trinta e dois, e por mais de vinte anos foi editor de literatura do antigo Jornal do Brasil