Comumente, se fala sobre o processo de impeachment ter um viés político, pois depende não apenas de motes jurídicos, mas do aceite do presidente da Câmara dos Deputados para seu processamento, com a possível perda do mandato pelo presidente da República.
Claro que não é qualquer ato que justifica o afastamento de um presidente legitimamente eleito, mas, sim, aqueles enquadráveis como crimes de responsabilidade, na forma da Lei nº 1.079/50, a qual, em seu artigo 4º, expõe o gênero de tais delitos, como aqueles que atentem:
“Contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra: I – A existência da União; II – O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados; III – O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – A segurança interna do país; V – A probidade na administração; VI – A lei orçamentária; VII – A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos; VIII – O cumprimento das decisões judiciárias”.
No mandato do presidente Jair Bolsonaro há elementos que, do frio ponto de vista legal, justificam, em tese, a abertura do processo de impeachment, porquanto tem externado, sem pejo, uma postura frequentemente calcada na beligerância, no constrangimento, no incentivo à desobediência e em claras ameaças a outros Poderes, seus representantes e ao próprio Estado Democrático de Direito.
Bolsonaro usa sua dita “autenticidade” para apropriar-se das Forças Armadas e para faltar com o decoro perante jornalistas, opositores e até contra outros países cujos governos detêm posicionamento ideológico diverso. Somado a isso, tem se descortinado, com tímidos subterfúgios, ingerência exacerbada do Executivo Federal nos órgãos investigativos, tendo como principal alvo a Polícia Federal.
Também há que se considerar manobras orçamentárias nada ortodoxas ou austeras, decorrentes não apenas das (naturais) necessidades advindas da pandemia em curso, mas impulsionadas, em grande medida, para cooptar blindagem e suporte político parlamentar, incrementando uma marcha populista eleitoreira que visa ao aumento não orgânico da base de apoio do projeto de poder presidencial.
Existem, no mais, outras investigações em curso, no âmbito do Poder Judiciário, do Ministério Público e da própria CPI da Covid, com potencial de trazer a lume outras condutas do presidente da República enquadráveis nas hipóteses da supracitada Lei nº 1.079/50.
Por ora, apesar de haver base jurídica para tanto, o apoio do chamado Centrão tem sido suficiente e decisivo para evitar a abertura do Processo de Impeachment contra o comandante do Executivo Federal, mas o certo é que, se essa proposição avançar, serão respeitados os direitos de defesa e contraprova do acusado, em debate amplo e aberto à opinião pública.
O que se espera, em qualquer caso, é que a Democracia, em sua acepção verdadeira, possa sobreviver a este período de tamanha insensibilidade, no qual insanas guerrilhas ideológicas, o fisiologismo, as notícias falsas e a indecente corrupção têm dificultado o enfrentamento assertivo e inteligente da maior e mais contundente crise sanitária dos últimos cem anos.
(*) Advogado e escritor