A campanha salarial dos bancários deste ano extrapola os interesses da categoria. A luta pela manutenção de empregos e melhores condições de trabalho se soma à defesa da vida de milhões de cidadãos ameaçados pela pandemia do novo coronavírus, causador da covid-19, doença que matou mais de 112 mil brasileiros até a sexta-feira (21) e contaminou 3,5 milhões de pessoas em todo o País.
Nesta entrevista ao Brasília Capital, o presidente do Sindicato dos Bancários do Distrito Federal, Kleytton Morais, explica como está a mobilização da categoria e denuncia a pouca participação do sistema financeiro nas iniciativas para conter o avanço da pandemia, que necessita de pesados investimentos dos setores público e privado.
Como os bancários estão se organizando para a campanha salarial 2020? – Podemos dizer que a campanha nacional dos bancários se baseará em três eixos principais: o resultado do sistema financeiro nacional em meio à pandemia; o não cumprimento do papel social que caberia aos bancos, especialmente os privados, no enfrentamento à covid-19; e o aumento muito conservador da provisão do sistema sobre os devedores duvidosos.
Explique melhor cada um desses pontos? – O resultado do sistema financeiro nacional, mesmo na pandemia, continua sendo bilionário. Veja o lucro do Itaú, do Santander e do Bradesco. Os três maiores bancos privados lucraram R$ 19,5 bilhões só no primeiro semestre deste ano, enquanto o PIB caiu 1,5% só no primeiro trimestre, e a previsão é de que tenha caído por volta de 10% no segundo trimestre. Podemos destacar que apenas com relação à cobrança de tarifas e serviços dos clientes, a receita foi de R$ 40,66 bilhões desde o início de 2020. Enquanto isso, as despesas com pessoal (pagamento de salários e benefícios, distribuição de lucros e resultados etc.) ficou em R$ 26,46 bilhões. O Santander, por exemplo, arrecadou quase duas vezes mais do que o valor necessário para fazer o pagamento de salários, benefícios e PLR dos seus funcionários (a cobertura das despesas de pessoal pela receita de tarifas no primeiro semestre de 2020 foi: Itaú, 164,1%; Bradesco, 127,1%; Santander, 187,2%).
O sistema financeiro tem contribuído da forma como poderia nas políticas de combate à pandemia? – Infelizmente, não. O sistema financeiro nacional, em especial os bancos privados, não contribui para a retirada do País da crise e para o enfrentamento à covid-19. E não o faz porque estrangula a oferta de dinheiro, burocratiza a oferta de crédito para as pequenas e médias empresas, retraindo o acesso às linhas de financiamento e aumentando as condicionantes para liberação dos recursos. E isso, do ponto de vista das empresas, é um horror. Os bancos privados têm direcionado a liberação de crédito para as grandes empresas (entre março e o fim de julho liberaram R$ 238,8 bilhões para grandes empresas e só R$ 92,8 bilhões para micro, pequenas e médias empresas – para pessoa física liberaram R$ 94,40 bilhões). Enquanto isso os bancos públicos focaram a liberação e renegociação de crédito para as empresas menores (micro, pequenas e médias empresas tiveram R$ 50,7 bilhões, contra R$ 41,7 bilhões para grandes empresas), e nas pessoas físicas, que tiveram liberação de R$ 107,7 bilhões até julho).
Por que os bancos públicos não se encarregam dessa função? – Na verdade, para sermos justos, os bancos públicos, em especial o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e o Banco da Amazônia (Pronampe) têm exercido esse papel, principalmente através do PRONAMPE (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), que já teve mais de R$ 15,9 bilhões de recursos subsidiados em linhas de crédito (até julho, espera-se a liberação de mais R$ 12 bilhões a partir do fim de agosto): Caixa e Banco do Brasil sozinhos foram responsáveis pela concessão de R$ 9,2 bilhões em empréstimos do programa, e dos grandes bancos privados, só o Itaú aderiu à primeira rodada de liberação de crédito. Mas poderiam ser mais atuantes.
Os bancos, públicos e privados, foram afetados pela crise? Eles têm lucrado menos do que previam antes da pandemia? – Os bancos têm mantido a sua lucratividade, mas aumentaram a provisão sobre devedores duvidosos de forma muito conservadora: no Itaú o aumento da provisão foi de 111,2% com relação ao ano passado, e o valor total alocado em provisões pelos quatro maiores bancos (Itaú, Banco do Brasil, Bradesco e Santander) alcançou R$ 56,28 bilhões no primeiro semestre, o que revela um crescimento de 61,13%, e isso diminui estrategicamente o lucro dos bancos divulgados no primeiro semestre e projeta um lucro gigantesco para este semestre.
E isso, de alguma forma, é repassado aos trabalhadores do setor? – Os bancos não têm compromisso com a manutenção dos empregos e ameaçam a retirada de direitos dos bancários. Em meio a tudo isso, os bancários ainda precisam se preocupar com a constante ameaça de privatização dos bancos públicos, agora ressaltada pela política do ministro da Economia.
Paulo Guedes… – Pois é, paralelo a essas questões estratégicas, tem-se, ainda, em termos de desafios, as iniciativas do governo Bolsonaro de atentar e tentar privatizar os bancos públicos. Começou pelo Banco do Brasil, a partir da venda da carteira de créditos para o BTG Pactual. Agora, vem a MP 995, que promove a abertura de capital das empresas subsidiárias da Caixa, abrindo o caminho para privatizações.
Acredita que, ao final da pandemia, o teletrabalho será uma realidade no sistema financeiro? – O disciplinamento do teletrabalho, o home office, também é uma pauta. Com certeza será um dado a ser considerado num futuro muito próximo e que precisará de um acompanhamento rigoroso dos sindicatos para evitar abusos.
Em meio à pandemia, os bancos têm seguido os protocolos para evitar a contaminação dos trabalhadores e clientes? – Até certo ponto, sim. Mas os sindicatos têm atuado com rigor para evitar desrespeitos às normas, o que colocaria em risco a vida dos bancários e dos clientes.