Júlio Miragaya (*)
Mais um conflito volta a pipocar no Subcontinente Indiano, agora entre Paquistão e Afeganistão, com a morte de centenas de militares. São as consequências do legado deixado pelo imperialismo britânico após a dissolução do Raj Britânico em 1947, promovendo a separação de povos e fixando fronteiras mal definidas.
O Paquistão tem o apoio da China, enquanto o Afeganistão foi buscar apoio da Índia, que alimenta histórica contenda com o Paquistão. Já os Estados Unidos, para fustigar a China, vem se aproximando do Afeganistão, governado pelo seu ex-inimigo Talibã. Assim como fez na Síria, onde, para desancar o Irã, apoiou a ascensão ao poder de Abu al-Golani, terrorista da al-Qaeda, agora trasmudado em líder de um regime “democrático”.
O conflito se dá, precisamente, na fronteira que separa a etnia majoritária pashtun (20 milhões de pessoas ou 53% da população do Afeganistão, que compreende também os hazares (20%), tadjiques (20%), uzbeques (5%) e balúchis (1,5%). Já no Paquistão, os pashtuns são 40 milhões, mas representam apenas 15% dos paquistaneses, que tem nos 120 milhões de punjabs sua etnia majoritária.
No Subcontinente Indiano, a criminosa ação imperialista britânica ao longo dos séculos XVIII e XIX subjugou e dispersou povos inteiros, unificando outros, criando o Raj (Índia) Britânico. Após a 2ª Guerra, quando os britânicos sucumbiram à resistência dos povos da região, deixaram, ao sair, a fragmentação de vários povos, com destaques para os 270 milhões de bengalis, hoje divididos entre a Índia e Bangladesh, e os 170 milhões de punjabs, que estão separados pela fronteira indo-paquistanesa.
Também na África são numerosos os povos que foram vítimas da ação dos imperialismos britânico e francês, separados que foram em colônias distintas segundo os acordos entre as duas potências europeias. Dessa forma, os 90 milhões de hauçás foram dispersos pela Nigéria e Gana (colônias britânicas) e Níger, Camarões e Costa do Marfim (francesas), assim como os 15 milhões de mandingas acabaram espargidos por Guiné, Mali e Senegal (francesas) e Gâmbia e Serra Leoa (colônias britânicas).
Assim, a lista de povos que sonham com a emancipação ou reunificação é bastante extensa. No segundo caso, restam as situações da Irlanda, Coreia e China (com Taiwan) após a reunificação da Alemanha, Vietnã e Yemen. Mas a ela poderíamos acrescentar os casos dos povos separados pelos imperialismos, que são também povos sem Estados instituídos – os casos mais conhecidos são os dos curdos e palestinos. Também devem ser citados os europeus bascos, catalães, flamengos, escoceses e galeses.
No Paquistão, além dos pashtus, há outros povos fragmentados, como os sindis (36 milhões no Paquistão e pequena minoria na Índia), os kashmir, divididos entre Índia e Paquistão, e os balúchis, etnia dispersa entre Paquistão, Irã e Afeganistão, e que há quase 80 anos sonha com seu Estado nacional, mas, diferentemente de catalães, bascos, palestinos e curdos, conta com a total indiferença da comunidade internacional.
Os balúchis totalizam cerca de 15 milhões nesses 3 países, além de cerca de 2 milhões que migraram para a Europa, América do Norte e, especialmente, para países do Golfo Pérsico. A província de Baluchistão no sudoeste paquistanês é a maior do país, com 347 mil Km² (40% do território nacional), mas seus 15,7 milhões de habitantes (sendo 70% da etnia balúchi) representam apenas 6,3% da população paquistanesa.
Já a província de Sistan-Baluchistão estende-se por 182 mil Km² (11% do total) do sudeste iraniano e sua população, de 3,5 milhões (75% balúchis) representa 4% do total do país. Por fim, os balúchis afegãos estão dispersos por 10 distritos meridionais das províncias sulistas de Nimruz, Helmand e Kandahar, ocupando 67 mil km² (10% do país), esparsamente habitada por 500 mil pessoas (1,5% dos afegãos), das quais 90% da etnia balúchi.
Os 15 milhões de balúchis equivalem à soma da população da Suécia e da Noruega. Seu território de 600 mil Km² é superior ao da França. Mas o direito do povo balúchi se constituir num Estado nacional não é aceito pelo Paquistão e tampouco pelo Irã, que reprimem brutalmente o seu movimento emancipacionista.
A luta por um Estado nacional balúchi iniciou-se em 1947, quando a Grã-Bretanha, não podendo mais conter a luta pela independência dos povos do subcontinente, promoveu a criação da Índia e do Paquistão (que na época compreendia Bangladesh), usando a religião (hinduístas ou islâmicos) como critério de separação e negando a alguns povos o direito de se organizarem com nação independente.
Assim sendo, o resultado dessa política imperialista criminosa e desastrosa é a todo momento exposto por conflitos nos continentes asiático e africano.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan (atual IPEDF) e do Conselho Federal de Economia