As reformas em curso no país – trabalhista, previdenciária e, em breve a administrativa – dizem respeito diretamente ao que é a essência do Direito do Trabalho: estabelecer um equilíbrio nas relações de poder e a confrontação de interesses e custos. Errando-se a mão (como parece estar ocorrendo), o resultado da diminuição do valor do trabalho implicará em menor acesso ao consumo, à educação, à moradia e à saúde. Seria o colapso do estado social de direito.
O consequente aumento das diferenças socioeconômicas e a insatisfação social acumulada são a fórmula de rastilhos de pólvora como os que provocaram o início dos protestos no Brasil, de 2013, os que motivam o rumo das eleições na Argentina e os que orientam a onda de protestos no Chile. A Argentina sofre por não ter implementado reformas necessárias e a população chilena se ressente das reformas feitas há 30 anos, o que demonstra que as alterações feitas nos governos de Michelle Bachelet, em 2008, e Sebastian Piñera, em 2018, não foram suficientes para reverter o estrago no tecido social e para evitar a explosão do ressentimento popular.
Trinta pesos chilenos equivalem a quase 20 centavos de real – essa coincidência nos leva a considerar se Brasil e Chile estão se refletindo em momentos históricos diferentes. Lá, a explosão da insatisvação e revolta popular, que podem levar à uma imensa reviravolta na política nacional, como ocorrido aqui. Aqui, a aplicação de reformas feitas lá, nos anos 80, sob o regime de Augusto Pinochet. Um círculo vicioso.
Como ocorre no Brasil as reformas do país andino se calcaram na afirmação do caráter subsidiário do Estado, na expansão do espaço do mercado, com retração da indústria, fragilização da organização sindical e dos direitos dos trabalhadores.
O artífice das reformas brasileiras, ministro da Economia Paulo Guedes, já citou o Chile como exemplo de reformas bem-sucedidas. As contas públicas chilenas, de fato, são controladas e equilibradas. Mas a grande massa do povo daquele país não tira vantagem disso no dia a dia.
O bem-estar dos cofres públicos teve custo social pesado: aposentadorias magras, aumento do custo de vida, dificuldade do acesso à casa própria, precariedade na oferta de serviços públicos em saúde e educação são os motivos que levam a população aos tumultos – “não é por 30 pesos!”
A reforma administrativa anunciada pela equipe do Ministério da Economia tem, claramente, esse viés de retração da atuação estatal, retirada de direitos do trabalhador e flexibilização das relações de trabalho.
Isso ocorre em associação a uma economia que não dá sinais de reaquecimento, a um desemprego que não se estanca, a uma perspectiva de empobrecimento geral da população e a um cenário internacional cada vez mais turbulento, com a situação da Argentina e do Chile e a guerra comercial entre China e Estados Unidos.
É de se imaginar que não vai demorar 30 anos, como no Chile, para o povo brasileiro estar de volta às ruas com o refrão “não é por 20 centavos”. O equilíbrio social é tão necessário quanto o equilíbrio orçamentário e fiscal. A vida humana é de um valor inestimável e os técnicos e teóricos econômicos por vezes se esquecem de levar em conta esse valor quando se sentam em frente de suas planilhas e balanços financeiros.