Jacques Pena (*) e Kleytton Morais (**)
As micro e pequenas empresas (MPEs) são fundamentais para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Elas representam 30% do PIB nacional, aproximadamente R$ 420 bilhões por ano, e foram responsáveis pela criação de 13,5 milhões de empregos de 2006 a 2019, enquanto as médias e grandes fecharam cerca de 1,1 milhão de postos de trabalho no mesmo período.
De acordo com o Sebrae, os pequenos negócios no Brasil beneficiam 86 milhões de brasileiros (40% da população), geram 54% dos empregos com carteira assinada, 44% de todos os salários pagos no país em empregos formais e respondem por 99% do número de empresas existentes.
Com tamanha relevância e importância, seria de se esperar uma atuação mais ativa do Banco do Brasil no apoio às MPEs. Infelizmente, não é isso que estamos presenciando, sobretudo após o golpe parlamentar de 2016 que culminou numa inflexão estratégica por parte do BB.
A partir de 2003 e até 2015, a estratégia de atuação do BB consistia em “ser um banco competitivo e rentável, promover o desenvolvimento sustentável do País e cumprir sua função pública com eficiência”.
A materialização da estratégia era reforçada nos objetivos estratégicos (as prioridades de médio e longo prazos da empresa), que, entre outros, proclamava a necessidade de “reforçar o papel de parceiro fundamental para o desenvolvimento sustentável do País, com ênfase no apoio às atividades geradoras de trabalho e renda, em especial aquelas relacionadas à atuação das micro e pequenas empresas”.
Ou seja, o BB tinha um papel maior no desenvolvimento sustentável do País, por meio da concessão de crédito ou apoio logístico e humano para as atividades geradoras de trabalho e renda.
Não custa lembrar que a criação da Diretoria de Micro e Pequenas Empresas (Dimpe) ocorreu durante o governo Lula, em maio de 2004. A extinção da Diretoria ocorreu em 2019, no governo Bolsonaro (coincidência?), transformando-se numa Unidade de Clientes Varejo MPE e PF.
Em 2016, após o impeachment da presidenta Dilma, os novos atores que assumiram o comando do BB promoveram uma inflexão estratégica significativa. Sai o Banco responsável por promover o desenvolvimento sustentável do Brasil e entra em cena o Banco com foco em “priorizar a rentabilidade ajustada ao risco”, “elevar o BB para um novo patamar de rentabilidade”, “alcançar rentabilidade sustentável, em patamares compatíveis com os bancos privados”.
Ou seja, o foco passou a ser a maximização do resultado financeiro. Essa mudança estratégica teve reflexo no volume de recursos destinados às micro e pequenas empresas pelo BB. Em 2003, o volume de recursos destinados às MPEs era de R$ 3.577 milhões. Em dezembro de 2006, aumentou para R$ 18.328 milhões – crescimento de 412,38%.
Em 2010, último ano do governo Lula, o volume de recursos para as MPEs foi de R$ 50.916 milhões, um crescimento de 1.323%, quando comparado a 2003. No governo Dilma, o percentual de recursos destinados às MPEs saiu de R$ 68.062 milhões (dez/11) para R$ 93.616 milhões (dez/15), um crescimento de 37,55%.
No governo Temer, o volume de recursos às MPEs recuou para R$ 68.673 milhões em dezembro de 2016 (uma redução de 27%), R$ 47.029 milhões em dezembro de 2017 (redução de 50%) e R$ 39.477 milhões em dezembro de 2018 (redução de 58%).
Diante do agravamento da crise econômico-social no Brasil, com desemprego em alta, renda média do trabalhador em queda, 33 milhões de brasileiros em insegurança alimentar (fome) etc, a retomada do crescimento econômico, com geração de emprego e renda passa, necessariamente, pelo fortalecimento das micro e pequenas empresas. Não à toa, o presidente Lula tem defendido que, caso seja eleito, será criado o Ministério das Micro e Pequenas Empresas.
Nesse sentido, será fundamental revisitar a estratégia de atuação do BB, para que volte a atuar como parceiro fundamental do desenvolvimento sustentável do País, buscando um equilíbrio entre rentabilidade e atuação social, pois não existe contradição entre a busca de rentabilidade em seus negócios e apoio ao desenvolvimento econômico-social do Brasil. Isto já foi demonstrado nos governos Lula e Dilma, época em que o Banco era lucrativo e apoiava o desenvolvimento sustentável do País.
Convém salientar que a Estrutura Organizacional de uma empresa é decorrente da estratégia competitiva adotada. Primeiro define-se a estratégia a ser perseguida num horizonte temporal pré-determinado. Em seguida, organiza-se a empresa para atingir os objetivos propostos. Dessa forma, a criação ou extinção de Unidades e Diretorias no âmbito do BB está diretamente ligada à estratégia competitiva adotada ao longo dos últimos anos.
O que não pode acontecer é, num eventual governo Lula, o BB continuar a agir como banco privado, pensar como banco privado, buscar rentabilidade compatível com os bancos privados. É preciso, como disse Lula, no encontro com pequenos e microempresários em São Paulo, no dia 17 de agosto, “enquadrar o BB”, pois a lógica rentista está incorporada na direção do Banco.
Esta nova atuação estratégica do BB passa, necessariamente, pela recriação de estruturas extintas ao longo dos últimos anos, como a Diretoria de Micro e Pequenas Empresas e a Unidade de Desenvolvimento Regional Sustentável, bem como a criação de novas estruturas capazes de dialogar com o governo federal na promoção do desenvolvimento sustentável do País.
(*) Ex-presidente da Fundação Banco do Brasil e ex-presidente do BRB (Banco de Brasília)
(*) Presidente do Sindicato dos Bancários/as do DF