A Câmara Legislativa se debruça sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias, que prevê quase R$ 60 bilhões para 2024, sendo R$ 23 bilhões do Fundo Constitucional e R$ 12,3 bilhões de outros repasses federais, notadamente o Fundo de Participação de Estados e Municípios.
Essas cifras, contudo, podem ser alvo de mudanças, notadamente em decorrência de novas regras do arcabouço fiscal, que altera o FCDF, e da reforma fiscal, que afetará as receitas próprias (ICMS e ISS) e as federais (IPI, Cofins e PIS).
Lira é o mentor dos cortes no FCDF?
Aos poucos, vai ficando claro que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é um dos mentores do arrocho orçamentário do DF, proposto via arcabouço fiscal. Depois que o Senado reestabeleceu as bases do FCDF, o presidente da Câmara, onde haverá a última votação do arcabouço, coloca dúvidas se a Casa ratificará a versão aprovada no Senado ou se manterá a proposta original.
Como Dionísio, o tirano de Siracusa, Lira está com a espada de Dâmocles sobre as cabeças de Ibaneis Rocha (MDB), de sua correligionária Celina Leão, e dos 3 milhões de brasilienses.
Quando o tema ainda era dúvida no Senado, Lira chegou a garantir a representantes brasilienses que a Câmara manteria o que fosse decidido pela Câmara Alta. Talvez não acreditasse que o FCDF fosse restabelecido pelo senador Omar Aziz (PSD-AM), relator do arcabouço fiscal.
Após os senadores reconhecerem a importância da verba para o DF, Lira mudou o discurso. Disse que iria rever os cálculos para saber se há impacto significativo, ou não, nas finanças candangas.
Essa postura demonstra que ele era simpático aos cortes orçamentários do DF. Suspeita que se reforça quando seu aliado, o relator do arcabouço fiscal Cláudio Cajado (PP-BA), afirma serem inverídicas as informações de que a alteração no Fundo impactará as áreas de Segurança, Saúde e Educação do DF.
Para Cajado, não há justificativa técnica para a remoção do FCDF e do Fundeb do conjunto de despesas que estará sujeita a um limite de crescimento a partir da aprovação do novo marco fiscal.
Soma-se a isso, o fato de, na primeira votação da Câmara, 44 dos 46 deputados do PP terem aprovado os cortes nas finanças do DF. A postura das pessoas-chave dessa votação permite afirmar que não está garantida a manutenção do FCDF na forma como foi concebido no governo de FHC. Brasília precisa ficar atenta e Ibaneis precisa entrar em campo para defender o DF.
Outra ameaça
Não bastasse a indefinição dos repasses do FCDF, outra dúvida se refere aos efeitos da Reforma Fiscal sobre as contas do GDF. O governador Ibaneis Rocha afirma que as mudanças propostas, em especial a incidência no novo imposto sobre consumo no lugar onde a compra acontece, é benéfica para Brasília, já que aqui há um alto padrão de consumo, devido à elevada renda per capita.
Não é, contudo, a visão de economistas e de dirigentes de entidades empresariais. “A reforma proposta é um tiro no escuro. Não se conhece nenhum estudo dos efeitos nocivos para o setor produtivo e para a sociedade”, alerta o presidente da Associação Comercial do DF, Fernando Brites.
Essa visão é compartilhada pelos economistas Dércio Munhoz e Roberto Piscitelli, professores de Economia da UnB. A longa transição de um sistema para o outro – 50 anos – e a indefinição de quais serão as alíquotas aplicadas impedem uma avaliação segura dos reflexos das novas regras fiscais.
Desemprego
“Pelas propostas apresentadas, será imposto ao setor de serviços um escorchante aumento da carga tributária. Médicos, advogados, jornalistas e outros poderão ter que arcar com até três vezes as alíquotas do imposto pago hoje”, estima Brites.
Segundo cálculos da Confederação Nacional do Comércio, o aumento de impostos pode superar 170% nos serviços e 40% no comércio, pondo em risco milhões de empregos.
Dados divulgados esta semana pelo IBGE apontam que, em 2021, das 111.980 empresas então existentes no DF, 50% eram do setor de serviços e 28% do comércio. A maioria (89,3%) era de microempresas (até 9 empregados) e 8,9% de pequeno porte (10 a 49 empregados).
Ou seja, se os cálculos da CNC estiverem corretos, a atividade empresarial local, e principalmente os empregos, seriam seriamente afetados. A Indústria, principal beneficiado com a reforma, praticamente não existe no DF.
Ilusão
Para Dércio Muhoz, há muita ilusão e um risco muito grande com essa reforma. “Ela trará mudanças estruturais. Vai tirar impostos de uns para jogar nas costas de outros. Ninguém sabe que efeito isso trará. E o pior: estão vendendo uma ilusão com a mesma receita do Paulo Guedes, que dizia que o País iria crescer absurdamente com a reforma da Previdência e com a privatização da Eletrobrás. E nada disso aconteceu. O que faz a economia crescer é aumento da renda e do poder aquisitivo das pessoas”.
Para o ex-superintendente do Sebrae-DF, Valdir de Oliveira, com uma carga tão elevada no consumo, quanto mais a roda da economia girar, mais o leão da receita abocanhará impostos, impedindo o crescimento da economia. Por isso, ele defende uma inversão de lógica: reduzir a carga do consumo e aumentar sobre o patrimônio. “Assim, estaremos direcionando uma participação maior entre os mais ricos, o que me parece mais justo”.