Taguatinga começou a se formar na segunda metade da década de 1950. No início, era um acampamento de operários que vieram construir Brasília conhecido como Vila Sarah Kubitschek, que em 1958, dois anos antes da inauguração da Nova Capital, ganhou o primeiro “shopping” do Distrito Federal – a Galeria dos Relógios – nome dado pelo fundador Raul Alves Coelho, que trabalhava com pedras preciosas em Anápolis (GO), sua cidade natal, e trouxe seu conhecimento neste tipo de comércio.
O espaço foi criado naquele ano pelo empreendedor Raul e sua mulher, Emília Amélia da Fonseca Coelho, e era parada obrigatória para um cafezinho. Um cliente cativo era o presidente JK. Quando visitava a Vila com sua equipe, da qual faziam parte Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, entre outros, não perdia a oportunidade de lanchar no balcão da lanchonete de Dona Emília.
Memória – A Vila cresceu e passou a se chamar Taguatinga. Brasília foi inaugurada em 1960. O primeiro “shopping” foi rebatizado como Galeria Central em 1993. Raul Coelho faleceu em 1988. E hoje com 103 anos – completados no dia 15 de maio, como faz questão de lembrar –, Dona Emília traz na memória e sabe de cor as histórias da cidade que ajudou a construir.
Ela conta que chegou a Taguatinga com 38 anos. Desde então, trabalha na C-8, onde funciona a Galeria Central, e reside a poucos metros dali, numa confortável casa na QSA 5. Só não conversa mais porque há cerca de três anos passou a ter dificuldades na fala.
Até completar 100 anos, Dona Emília administrava pessoalmente os aluguéis dos 31 inquilinos da Galeria, função hoje assumida pela sobrinha Teresa Rashewskyj, a quem trata como filha e considera “um presente de Deus”.
Centro de tudo ou do nada
Viúva há 35 anos, Dona Emília lembra com orgulho as conquistas que obteve ao lado do companheiro Raul. Foi dele a iniciativa de comprar os terrenos da Galeria, na C-8, e da QSA 5, onde construíram a casa – até então, moravam no local de trabalho.
“A casa ficava no meio do cerradão. Aos poucos, a cidade foi crescendo em volta dela. A galeria ficava no centro de tudo ou do nada”, relembrava Dona Emília até há pouco tempo, contando sua história para a família.
Tour – “Ela gosta tanto desta cidade que às vezes me pede para dar uma volta, visitar os inquilinos na Galeria e andar pela Avenida Comercial”, revela Teresa. “Todos gostam muito da minha tia. Quando ela vai lá, fazem uma festa”, atesta a sobrinha, confirmando que a venda e consertos de relógios, compra e venda de peças de ouro e prata ainda são as principais atividades dos lojistas da Galeria.
Segundo Teresa, até hoje a tia acompanha a movimentação dos negócios. “Mesmo com o problema da fala, ela faz questão de ler tudo que lhe passo, e continua com sua lucidez e inteligência preservadas”.
Limpeza e organização
Teresa se divide entre a administração dos negócios da família, da casa onde mora com o marido Adir Soler Rashewskyj, que tem uma agência de viagens na Galeria Central, e os filhos Iwan e Yasmin, os “xodós” de Dona Emília, e os cuidados com tia, tarefa para a qual tem a ajuda das cuidadoras Lúcia Maria e Eliane.
Mas Dona Emília ainda dita o ritmo do trabalho, de olho na higiene e na organização do ambiente. “Ela é muito amorosa, sorridente e feliz, mas fica brava quando vê que mudamos alguma coisa de lugar sem falar com ela”, afirma Lúcia, diante da confirmação de Eliane.
Teresa não se esquece do carinho e do amor entre ela e a tia. “Eu morava com meu marido em Lins, no interior de São Paulo, quando meu tio faleceu e ela nos chamou para morar com ela. A casa é grande, ela ficou só e tinha os negócios para administrar. Hoje falo com orgulho que grande parte do que aprendi na vida foi com minha tia”.
Caridade e fé
Mesmo debilitada pela idade avançada, Dona Emília ainda cultiva a caridade. Missionária evangélica desde a juventude, quando promovia eventos para ajudar pessoas necessitadas, ela incentiva Teresa a participar deste tipo de atividade. “Isto é muito bonito”, emociona-se a sobrinha.
Evangélica, Dona Emília mantém o hábito de ler, diariamente, os devocionais (pequenos livros que os evangélicos usam para meditar sobre os trechos da Bíblia). Os devocionais dela são marcados com caneta marca-texto, na cor rosa. E os caminhos da vida continuam se abrindo para esta pioneira desbravadora apaixonada por Taguatinga.