Um filme de ficção, onde os personagens se desintegram. É assim que estou vivendo os últimos dias. Como se algo dentro de mim estivesse encontrando uma forma de vir à tona. Ainda que a saída seja me desfazer.
Mas, convenhamos, qual seria a novidade nisso? Nos desfazemos tantas vezes. A bem da verdade, o que dói aqui é essa consciência paralítica de assistir ao processo sem muito poder interferir.
Mudar o rumo de vida, mudar de discurso, mudar-se de si. Não é pleonasmo, juro. Às vezes é preciso sofrer e executar a ação, olhar fotograficamente e ser o seu próprio fotógrafo. Olhar-se.
Às vezes, eu tenho a sensação de estar presa dentro de mim. E de fato estou. Mas, se fui meu algoz, também posso ser compassivo. Ah, é tanta vida dentro de mim e eu tantas vezes tão morta!
Voltando à ficção, ando tendo a sensação irreal de poder estar na pele de outras pessoas. Há algum tempo, estava observando uma mulher. Ainda que sorrindo, parecia conter uma tristeza que a tornava mais velha, embora o rosto denunciasse a jovialidade.
Era uma estranha no ninho. Diferente, contida. Parecia chorar para dentro. Gritar para dentro. Os olhos denunciavam que ela queria voar. Ir longe, para longe. A apelidei de Menina-Luz. Era meu jeito secreto de falar com ela.
Começamos a conversar por cartas. Eu as escrevia e ela as corrigia. Eu falava de angústias e ela me compartilhava seus sonhos. Eu era o café, ela o brigadeiro. Nos tornamos amigas. Eu e a Menina-Flor.
Sim, eu dei vários nomes a ela. Seria muito pouco contê-la em um só nome. Eu tinha um segredo para compartilhar com a Menina-Eu. Ela também iria se desintegrar e se remontar e se liquefazer e se mimetizar e se repartir e se agigantar e tudo mais que ela quisesse.
Porque, sim, ela podia voar. Só precisava descobrir que as correntes eram falsas, mas as asas verdadeiras.
Menina-Eu. Menina-Você. Somos todas meninas prontas para voar. As correntes são falsas. Hora somos o amargo do café, outras somos doces e leves. Eu em você e você em mim. Voa Menina-Tudo! Voa!
E se quiser venha novamente adoçar o meu café.
(*) Escritora