A decisão, tomada nesta terça-feira (17), proíbe o uso das gorduras trans industriais em alimentos a partir de 2023. A proposta prevê a implantação da norma em fases que se iniciam com o estabelecimento de limites de gorduras trans industriais para a indústria e serviços de alimentação e prosseguem até o banimento do uso da gordura parcialmente hidrogenada até 2023.
A medida foi aprovada por unanimidade em reunião da diretoria da Anvisa, realizada em Brasília, para reduzir o consumo até a completa extinção desse tipo de gordura da alimentação, uma vez que o produto é considerado nocivo à saúde por favorecer o surgimento de problemas cardiovasculares, como o entupimento de artérias que irrigam o coração e aumentando o risco de morte por esse tipo de doença.
A relatora da proposta, Alessandra Bastos, disse que profissionais da saúde do mundo todo reconhecem os riscos que a gordura trans industrial representa para a saúde e sua associação com doenças do coração. Ela disse ainda que os posicionamentos da Anvisa sobre o assunto foram amplamente discutidos, incluindo aí o tempo necessário para o setor regulado se adequar às novas normas.
As gorduras trans industriais são encontradas nas margarinas, biscoitos, snacks, bolos, massas instantâneas, sorvetes, chocolates, pratos congelados, pipoca de micro-ondas e em quase todos os alimentos industrializados. A gordura trans está presente também nas frituras comercializadas em serviços de alimentação e nos produtos oferecidos por vendedores ambulantes.
TRÊS FASES PARA IMPLANTAÇÃO
A primeira é focada na imposição de limites de gorduras industriais na produção de óleos refinados, limitando a 2% a sua presença nesses produtos. As gorduras trans surgem em óleos refinados durante o tratamento térmico utilizado na etapa da desodorização (eliminação de odores desagradáveis). Nessa etapa, o prazo de adequação é de 18 meses. O prazo de restrição começa a vigorar em 1º de julho de 2021.
Nessa mesma data, entrará em vigor a segunda fase de restrição da gordura trans industrial para os demais alimentos, com a adoção do mesmo limite de 2% de gorduras trans industriais do total de gordura presente nos alimentos industrializados e comercializados no atacado e no varejo. Nessa fase, a Anvisa atingirá diretamente os consumidores porque a etapa afeta os serviços de alimentação e os produtos destinados à venda direta nos mercados. Essa restrição começa a vigorar em 1º de julho de 2021 e vai até 1º de janeiro de 2023.
A regra dessa segunda fase não valerá para alimentos destinados, exclusivamente, para fins industriais usados como matérias-primas.
A terceira fase, de implantação, a norma prevê o banimento do ingrediente gordura parcialmente hidrogenada, a principal fonte de gorduras trans industriais, dos alimentos a partir de 1º de janeiro de 2023.
GORDURAS TRANS
As gorduras trans, conhecidas no meio técnico como ácidos graxos trans, são um tipo de gordura que pode ser encontrada de forma natural nos alimentos derivados de animais ruminantes, como bovinos, caprinos, mamíferos e herbívoros, ou seja, em carnes, banha, queijos, manteiga, iogurtes, leite integral, ou que podem ser produzidas industrialmente durante a hidrogenação parcial de óleos vegetais ou seu tratamento térmico.
Importante observar que nos alimentos originados de animais ruminantes, as concentrações de gorduras trans são consideradas pequenas com níveis seguros para o consumo. A maior preocupação da Anvisa é com produtos industrializados.
RISCO À SAÚDE
Durante muitos anos, acreditava-se que os óleos e gorduras parcialmente hidrogenados (OGPHs) seriam opções mais saudáveis que a gordura saturada. Desde 1990, porém, evidências científicas apontam para riscos à saúde decorrentes desses ingredientes, como aumento do colesterol ruim (LDL) no organismo e redução do colesterol bom (HDL).
Atualmente, há evidências convincentes de que o consumo de gorduras trans acima de 1% do valor energético total (VET) em alimentos gera fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, aumentando a ocorrência de problemas coronarianos e a mortalidade por essas causas.
Dados de 2008 e 2009 da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que o consumo diário de gorduras trans atingiu, no mínimo, 1% do valor energético total (VET) para todas as faixas etárias. Naquele levantamento, o maior consumo foi observado entre adolescentes, com 1,2%. Mas, estimativas de 2010, já apontavam para um consumo geral de 1,8% pela população brasileira.
Por isso, a norma da Anvisa é focada na gordura trans industrial, que consiste em uma gordura mais sólida e que cumpre função tecnológica no processo de industrialização, conferindo crocância aos alimentos e aumentando o prazo de validade dos produtos. Mas a Agência informa que já existem tecnologias que permitem à indústria a substituição dos AGTIs nos produtos.
REDUÇÃO DO CONSUMO
Por esses motivos, a adoção das novas normas da Anvisa tem como objetivo reduzir o consumo de gorduras trans para menos de 1% do valor energético total da alimentação e eliminá-las nos produtos oriundos do uso de óleos e gorduras parcialmente hidrogenados. Além disso, a medida visa restringir o teor de AGTIs nos alimentos que passam por tratamento térmico de óleos e garantir o acesso dos consumidores a informações claras e precisas sobre a presença e a quantidade desses ingredientes nos produtos, por meio do processo regulatório sobre rotulagem nutricional, que já está em andamento.
MEDIDAS COMPLEMENTARES
O setor de Alimentos da Anvisa propõe a adoção de medidas regulatórias complementares não normativas. Uma delas é a elaboração de guias sobre as opções tecnológicas disponíveis para substituição dos óleos e gorduras parcialmente hidrogenados nos alimentos e sobre boas práticas na desodorização de óleos e no uso de óleos para fritura de alimentos.
ALERTA MUNDIAL
A gordura trans é utilizada pela indústria de alimentos há várias décadas, mas nos anos 1990 começaram a aparecer suspeitas e evidências dos riscos desse ingrediente à saúde da população. Desde 2004, a Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra preocupação com essa substância e vem publicando recomendações e estratégias globais para reduzir o consumo de gordura trans, sendo a última de 2018.
Hoje, 49 países já contam com medidas regulatórias para restringir os AGTIs nos alimentos. Entre eles estão Estados Unidos, Canadá, Chile, Argentina, África do Sul, Irã e nações da União Europeia. A proposta brasileira, que ficou em consulta pública durante 60 dias, está em sintonia com o plano de ação da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).
proposta brasileira, que ficou em consulta pública durante 60 dias, está em sintonia com o plano de ação da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e com o pacote de medidas REPLACE, da OMS. Ambos preveem a promoção de ações regulatórias para eliminar o uso de gorduras trans industriais em alimentos, que está associado a cerca de 160 mil mortes nas Américas, a cada ano. Em todo o mundo, são aproximadamente 500 mil óbitos por ano, segundo a OMS.
No Brasil, estima-se que, em 2010, o consumo excessivo de AGTIs foi responsável por 18.576 mortes por doenças coronarianas, 11,5% do total de óbitos por essa causa no país.
Com informações do UOL e da Anvisa