“Meu Namorado Coreano”, novo reality show da Netflix que acompanha brasileiras em relacionamentos com homens sul-coreanos, ganhou trailer e data de estreia — 1º e 8 de janeiro —, mas já chega cercado de polêmicas. Antes mesmo do lançamento, a produção tem gerado críticas nas redes sociais por estimular a idealização, a fetichização e estereótipos culturais que envolvem esse tipo de romance.
Segundo a sinopse oficial, as participantes desembarcam em Seul para testar seus relacionamentos. “Será que a vida real é mesmo um K-drama?”, questiona o material de divulgação. As gravações duraram 22 dias, período em que os cinco casais foram acompanhados de perto na capital sul-coreana.
Em maio deste ano, brasileiras relataram nas redes sociais abordagens feitas por produtoras de casting ligadas ao projeto. Em mensagens privadas, algumas teriam sido convidadas a participar mesmo sem estarem em um relacionamento, apenas precisavam “sonhar em encontrar um coreano para chamar de seu.”
FANTASIA X FICÇÃO
Para a pesquisadora e doutora em Comunicação e Semiótica Mariana Seminati Pacheco, o problema começa quando narrativas ficcionais passam a orientar expectativas reais. “De forma mais acentuada neste movimento pop, é o homem sul-coreano que vem sendo idealizado, tanto em seu perfil físico quanto em seu comportamento, transitando entre o erótico e o exótico. Essa imagem passa a ser mercantilizada, e é aí que mora o perigo: o desejo de ter um homem sul-coreano, idealizado pelo universo fictício dos K-dramas, em sua realidade”, explica.
Frases como “os coreanos são mais educados” ou “mais românticos”, segundo ela, generalizam comportamentos e apagam a diversidade real da sociedade do país asiático. “Homens bons e ruins existem em qualquer país. O problema é transformar personagens de ficção em regra.”
Pacheco destaca que o fetiche (atração intensa por um objeto, parte do corpo, material ou cenário que gera excitação sexual) de homens asiáticos não é um fenômeno novo, mas ganha força com a popularização da cultura sul-coreana no Ocidente. “Isso se aproxima do que Edward Said chamou de orientalismo: o Oriente visto como exótico, moralmente superior ou idealizado. Com a Hallyu, criamos novos orientalismos sobre a Coreia do Sul”, compara.
O lançamento do reality em meio a recentes escândalos envolvendo encontros comercializados com homens asiáticos, aponta a especialista, torna o debate ainda mais sensível.
“Não é apenas reforçar as idealizações, mas incentivar um discurso de que ‘sim, você pode caçar seu coreano ideal, e ainda vamos ajudar’. Cria-se um desejo sobre relacionamentos em torno da nacionalidade. E isso não é novidade: já vi um monte de memes na internet de “os motivos para ir para a Itália” serem os homens. E em todos os casos, se torna uma atitude comercial tóxica”, critica.
CASAMENTO
Em outro aspecto, Mariana Seminati Pacheco lembra que relacionamentos interculturais existem, mas não são maioria, ainda mais em uma sociedade conservadora que deseja preservar sua cultura internamente — o que vale para toda a Ásia, não apenas para a Coreia do Sul.
“Até alguns anos atrás, dentro da comunidade japonesa no Brasil, não era aceitável casar com alguém que não fosse japonês. Mas os 117 anos da presença deles no Brasil melhorou um pouco essa questão. Entretanto, a comunidade coreana ainda é jovem aqui e precisa se adaptar, e nós, respeitarmos”.
Expor o parceiro coreano nas redes sociais, como fazem algumas influenciadoras digitais, reforça o estigma, na avaliação da pesquisadora. “Acho extremamente inadequado transformar seu parceiro em views. E, acreditem, a maioria dos coreanos também. Eles não querem ser vistos como mais um produto da Hallyu”, garante.
E faz um alerta direto para fãs da cultura coreana. “Assistam aos K-dramas, mas com consciência da ficção ali contida. A ‘Dramalândia’ não representa a Coreia do Sul real, bem como não podemos achar que os sul-coreanos se comportam como nossos personagens favoritos. Eles também são homens de carne e osso, sujeitos a erros e comportamentos que podem não nos agradar. Da mesma forma, este comportamento de colocá-los como produtos à venda os magoa.”