Por cima do muro do Centro de Ensino Fundamental 04, em Ceilândia, já voaram coqueteis molotov e pedras, segundo funcionários. Uma professora já ouviu, mais de uma vez, que um dia “ela seria a próxima” e que “a escola inteira iria queimar com ela dentro”. “Se for para me pegarem, vão pegar”, resigna-se a mulher de 54 anos.
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Ela alega que não tem medo. “Vou ficar me escondendo? Não posso viver assim. Se acontecer alguma coisa comigo, pelo menos as autoridades vão prestar atenção e talvez reforçar o policiamento”, diz a funcionária, que trabalha no local há 15 anos e iniciou sua carreira como instrutora de Ciências.
Um estudo global da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) colocou o Brasil como primeiro lugar no ranking de agressões – físicas ou verbais – contra professores no ambiente escolar. Dos 34 países envolvidos na pesquisa, o Brasil foi o que teve maior média de docentes ameaçados ou intimidados ao menos uma vez por semana: 12,5%.
Não existe estudo parecido no DF. No Brasil, a referência é o levantamento do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), feito no ano passado. Ele aponta que 44% dos docentes da rede estadual, num universo de 167 municípios, já sofreram agressões em sala de aula.
“É uma realidade que pode ser trazida para cá”, disse a presidente do Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF), Rosilene Corrêa. “Normalmente, o agressor é um aluno com perfil social complicado. A escola é um ambiente que estabelece regras, então às vezes o professor é visto como alguém que quer impor alguma coisa, e os alunos não gostam”, avalia.
Ela diz já ter havido esforços para fazer um mapeamento da violência em escolas no DF, mas nenhuma iniciativa teria ido adiante. “Tentamos criar um banco de dados, um disque denúncia, mas não emplacou. Para termos dados é só pela polícia, por meio de boletins de ocorrência. Geralmente as agressões não saem da escola. Queremos mudar isso”, defende.
Segundo ela, o mais comum são situações conflituosas tentarem ser resolvidas apenas no ambiente escolar. “Tem a questão da exposição pessoal e o temor dos desdobramentos. Você nunca sabe com que alunos está lidando”, explica
Injúrias podem ocasionar doenças
A diretora do CEF 04 de Ceilândia, Maria Madalena de Araújo, trabalha há 18 anos na escola e já presenciou muitas coisas. A última foi o afastamento de uma professora de inglês, diagnosticada com Síndrome do Pânico, após sofrer injúrias e ameaças de um estudante. “Ela teria pedido para o rapaz sair da sala, mas ele teria desobedecido e dito que, se ela chamasse a mãe dele, não sabia o que podia acontecer com ela”, conta.
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Ela era vice-diretora quando, em maio de 2008, o professor Valério Mariano dos Santos foi agredido até a inconsciência por três rapazes na entrada da escola. Um deles, Laerte Furtado, à época com 21 anos, era ex-estudante do CEF. Foi o último caso de violência física de que ela se recorda envolvendo alunos contra professores, mas insubordinações e desrespeito seriam corriqueiros.
Para tentar mudar a situação, ela, em parceria com a orientadora pedagógica Mônica Gabriel e da vice-diretora da unidade, passou a convocar os pais para reuniões periódicas, junto aos filhos, na escola. “No começo vinham cinco ou seis pais, hoje em dia já temos bem mais e a situação melhorou”, afirma Mônica.
Casos isolados
A pesquisa da OCDE não especifica quantas escolas particulares e públicas do Brasil tiveram seus profissionais entrevistados, mas a presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinepe-DF), Fátima Alves, acredita não haver motivo para alarde. “As relações entre alunos e professores são amistosas. Ocorrem episódios eventualmente”, define.
Fátima, porém, se sensibiliza com a realidade apontada. “É preocupante e, como educadora, temos um papel de conscientização da comunidade escolar”, defende. No cargo há três anos, ela não se recorda de casos na rede particular de ensino, mas diz que, na ocorrência de algo mais grave, a questão geralmente é tratada na escola.
Após usar droga, menor pula muro
No Centro de Ensino Fundamental 04 do Guará, um caso de agressão deixou o clima, especialmente entre professores, conturbado. Um estudante de 14 anos teria, sob efeito de drogas, pulado o muro da escola e, ao ser confrontado por uma professora, ferido a perna da mulher na tentativa de desvencilhar-se. “A docente registrou boletim de ocorrência e se afastou daqui”, afirma a vice-diretora, Jane Alves Barreto.
Desde então, após o muro ter sido aumentado e o Batalhão Escolar da Polícia Militar ter criado uma base dentro da escola, as ocorrências graves se tornaram escassas. “Quando há enfrentamento verbal por parte dos alunos, os pais são chamados e damos advertências”, garante.
Com uma filha de 14 anos na escola, George Klein, 59 anos, credita parte dos problemas à falta de preparo dos próprios docentes. “Muitos não querem ter o trabalho de atender às necessidades específicas dos alunos. Não estão prontos para lidar com eles”, defende.
Segundo ele, o cenário pode se agravar com o decorrer do tempo. “Isso pode gerar uma situação de conflito. O professor precisa ter amor pela profissão e ser simpático, pois esse é seu dever”, afirma.
Para o pai, o sistema educacional em si também favorece a quebra do decoro em sala de aula. “O grande erro é que o respeito em ambiente escolar é imposto, quando deveria ser conquistado”, completa.
A supervisora pedagógica da escola, Sheila Lemos, 40, também leciona História e diz que o perfil dos estudantes varia. “Alguns meninos são mais indisciplinados do que desafiadores. O professor tem que saber diferenciar”, diz.
Desestrutura familiar tem influência
A supervisora pedagógica do Centro de Ensino Fundamental 4 do Guará, Sheila Lemos, garante nunca ter sofrido agressões ou ameaças diretamente, mas companheiros de profissão já teriam escutado o, segundo ela “clássico”, “Não tem medo de morrer?”. “O estresse a que o professor é submetido é o maior problema. A falta de estrutura familiar gera um aluno indisciplinado e pode acabar levando a uma situação extrema”, pondera.
Desvalorização
O estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também revelou que o próprio profissional brasileiro se sente desvalorizado. Cerca de 12% disseram acreditar na importância do professor perante a sociedade, sendo que a média global foi mais que o dobro desse número.
“Nossa categoria tem os menores salários, e às vezes o aluno leva isso em consideração”, afirma a diretora do Sinpro-DF, Rosilene Corrêa.
Segundo ela, “no mundo capitalista, eles podem achar que quem ganha mais também manda mais. Até isso influencia no respeito”, diz.