A Câmara dos Deputados aprovou, na noite de terça-feira (23), dispositivo que retira anualmente cerca de R$ 1,2 bilhão dos repasses federais para o custeio da Saúde, Educação e Segurança do Distrito Federal. Outros cálculos apontam que o prejuízo será de R$ 84 bilhões em dez anos.
Esta é mais uma demonstração do preconceito e da falta de entendimento de parlamentares sobre o papel e a importância de Brasília. Depois de 63 anos da fundação, a cidade que é patrimônio mundial da humanidade ainda sofre preconceitos. A decisão mostrou também a pouca articulação do GDF na hora de defender os interesses da capital.
Há pouco menos de três anos, no artigo “Te cuida, Brasília! Teus algozes estão logo ali, na Esplanada”, aqui publicado, alertava quanto à incompreensão dos brasileiros, em especial aqueles que estão no poder, quanto ao significado e o papel de Brasília para o Brasil.
Era início do governo Bolsonaro e um de seus fiéis escudeiros, o ex-deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) – aquele que rasgou a placa da Rua Marielle Franco e que está preso por determinação do STF – apresentou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para devolver o status de capital federal à cidade do Rio de Janeiro.
Sentimento antiBrasília
O sentimento anti-Brasília no governo passado era amplo. O então ministro da Educação, Abraham Weintraub, com sua peculiar verborragia, disse em reunião governamental querer “acabar com essa porcaria que é Brasília. Isso daqui é um cancro de corrupção, de privilégio. Eu não quero ser escravo de Brasília. Eu tinha uma visão negativa de Brasília e vi que é muito pior do que eu imaginava”.
Mudou o governo, mas o Congresso Nacional, parodiando aquele antigo anúncio de shampoo, continua o mesmo. No quadriênio passado, um parlamentar goiano, José Nelto, então líder do Podemos, propôs uma garfada no Fundo Constitucional do DF com o objetivo de assegurar a “assistência financeira para execução de serviços públicos de Segurança Pública, Saúde e Educação” em 19 municípios goianos e dois mineiros.
Há poucos dias, o ex-deputado Marcelo Calero (PSD-RJ), atual secretário de Cultura do Rio de Janeiro, condenou, nas redes sociais, a transferência da capital do Rio para o Planalto Central: “Com a mudança, perdemos a oportunidade de manter a capital em uma cidade rica em história, cultura e diversidade, que reflete a essência do nosso país”.
O jabuti de Cajado
O inconformismo do parlamento com Brasília chega a seu ápice agora com a proposta do relator do Arcabouço Fiscal, Cláudio Cajado (PP-BA). O afiliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu injetar um jabuti no projeto do Executivo. Jabuti, no jargão legislativo, designa um assunto estranho ao foco central de uma proposta de marco jurídico.
Na prática, Cajado propõe extinguir o FCDF e faz Brasília voltar à situação de pedinte com pires na mão, como acontecia até o governo de Cristovam Buarque. O alerta veio do ex-governador Rodrigo Rollemberg (PSB). Até então, mesmo com toda a sua estrutura parlamentar, o GDF boiava no assunto.
Proporcional – Em 2002, quando foi criado, o valor do FCDF partiu de um montante de R$ 2,9 bi para o custeio da segurança pública, saúde e educação. A lei estabeleceu que a correção anual desse valor seria baseada na variação da Receita Corrente Líquida da União no ano anterior. Ou seja: quando a União faturasse mais, o DF receberia mais.
Ao longo dos anos, o FCDF foi a principal receita local. Em 2012, representou 70% do orçamento distrital. Para 2023, a previsão de repasse é de R$ 22,97 bilhões (Segurança, R$ 10,2 bilhões; Saúde, R$ 7,1 bilhões; Educação, R$ 5,6 bilhões).
Pode parecer muito dinheiro – para o DF é, pois representa 40% do orçamento global de R$ 57,36 bilhões –, mas para a União é apenas 0,43% do Orçamento Federal.
Pires na mão
Cajado quer que a cada ano o DF debata com o Congresso para definir o montante a ser repassado no exercício posterior. É a volta do pires na mão, sujeito às pressões e chantagens políticas e que coloca Brasília como refém do governo federal. Em períodos de antagonismos partidários, como ocorre agora com as diferenças de preferências entre Lula e Ibaneis, isso seria um prato cheio para sufocar o adversário.
Se a iniciativa de Cajado é algo inimaginável, tímida tem sido a reação da classe política, inclusive a local. A vice-governadora Celina Leão, correligionária do relator, até participou de umas reuniões, mas viajou para o exterior.
Na bancada do Senado, quem mais se move é Izalci Lucas (PSDB). Leila do Vôlei (PDT), vice-líder do governo, ainda não veio a público, tampouco Damares Alves (Republicanos). Na Câmara, Alberto Fraga (PL) é o mais atuante. Afinal, é a base eleitoral dele que será mais a prejudicada.
O governador Ibaneis Rocha (MDB), que deveria articular as bancadas federal e distrital e liderar o movimento contrário à medida age timidamente. Essa ação coube ao empresário Paulo Octávio, autor da lei que instituiu o FCDF. Presidente do PSD local, ele busca criar uma frente pluripartidária para enfrentar o lobby contra Brasília.
Uma tarefa difícil. Afinal, como alertamos há três anos, os algozes de Brasília estão na Esplanada, mais objetivamente no Congresso Nacional.
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