Há milhares de anos, o homem vem se fortalecendo, se aperfeiçoando, se profissionalizando na arte de matar seu semelhante. Em nenhum momento tentou aprender ou investir em como fazer para defender ou proteger o próximo, apesar dos esforços de filósofos, cientistas, educadores e líderes bem intencionados, pois a corrente contrária é muito mais poderosa e sempre prevalece.
Antes de Cristo, o dramaturgo Plautus advertiu: “O homem é o lobo do homem”. De lá para cá, nada mudou. O homem começou matando outro homem com um pedaço de pau, aprimorou para o machado, lançou flecha, ergueu espada, arremessou com catapulta, explodiu com pólvora, atirou com canhão, mirou com rifle… Hiroshima.
O refinamento da crueldade contra humanos está cada vez mais sutil e matemático. Nagasaki foi selecionada porque não tinha sido alvo de ataques anteriores, facilitando, assim, a contagem dos mortos, contabilizando-os a favor da eficácia da explosão da bomba atômica no dia 9 de agosto de 1945.
Investiu em conhecimento e tecnologia. Os armamentos bélicos sempre foram seus mais estimados legados. Capacitou-se tanto, que hoje tem um arsenal pronto para dizimar toda a humanidade com um simples apertar de botão.
Não aprendemos a lição de salvar vidas. Mas sabemos bem como exterminá-las. Fica fácil entender que, ao nos deparar com um adversário silencioso e invisível que ora nos aniquila, por não ter cara de homem não se tem nenhuma arma para abatê-lo, sequer para detê-lo.
Apesar de não ser genuinamente nosso inimigo, em apenas um ano tal adversário já subtraiu mais de 2,6 milhões de nós em todo o planeta. Estivemos preocupados em nos lapidar, nos aprimorar, para vencer apenas os nossos iguais, e nunca um outro opositor.
Ainda há tempo para mudar!
Ao longo da história da espécie humana, podemos citar dois grandes exemplos de pandemia: o primeiro, na Baixa Idade Média, conhecida como Peste Negra ou Peste Bulbônica.
Era o tempo das trevas. Sem noção de como acontecia a transmissão, as pessoas amontoavam-se em todos os espaços, inclusive nas Igrejas. Assim, quanto mais rezavam, mais morriam.
Uma testemunha foi Giovanni Bocaccio, que vivia em Florença no auge da pandemia, cidade que perdeu um quinto da população. No continente europeu, um terço dos habitantes morreu. Bocaccio nos deixou Decameron, obra que narra aquela catástrofe.
O segundo exemplo foi a Gripe Espanhola, que ceifou mais de 50 milhões de vidas. Recebeu este nome porque a Espanha, que não estava presente na 1ª Guerra Mundial e tinha a imprensa livre, publicava a verdade sobre a doença, o que não acontecia nos países beligerantes, que a omitiam.
Na realidade, o vírus veio nas tropas americanas e espalhou-se pela Europa. Não perdoou outros continentes, inclusive a América do Sul. No Brasil, foram mais de trinta mil óbitos.
O coerente depois desse episódio seria que as nações se unissem para combater possíveis novos invasores.
No entanto, escolheram armarem-se para a 2ª Guerra Mundial. Pura insanidade! Depois, ficaram tão fortes e precisos no engenho de sacrificar homens que, correndo o risco de extinção, tiveram de criar um novo tipo de guerra para sustentar os seus desejos amaldiçoados: inventaram a Guerra Fria.
Um século após a Gripe Espanhola, somos atacados por novo oponente. Mas não tivemos a preocupação, tampouco a responsabilidade, de nos preparar para enfrentá-lo. O resultado está aí nas nossas portas – infectados e mortos, contrariando até ditados populares como “só se morre na hora certa”.
Estamos morrendo antes da véspera. Estamos morrendo antecipadamente, antes da hora.
Se o vírus tivesse sido debelado tempestivamente, muitos deste contingente assustador de mortos ainda estariam vivos entre nós. E dentre os que sobreviverem, haverá os que estarão firmes, com o dedo no gatilho, mirando os que o vírus não levou.
Não fomos instruídos para acatar bons conselhos. Senão, teríamos seguido os ensinamentos na década de 1960, quando Martin Luther King observou: “Aprendemos a voar como os pássaros, aprendemos a nadar como os peixes, mas ainda não aprendemos a conviver como irmãos”.
É preciso mirar no homem com foco de irmão.
(*) jamilbuzar@yahoo.com.br