Mario Pontes
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RIO – Não são nada novas as idéias embutidas no miolo do chamado antropocentrismo. Nova, em termos, é sua manifestação mais radical. Para a ala do punhal nos dentes é erro supor que a soberania da espécie humana só pode ser exercida sobre o lugar onde presentemente habita. Na verdade, clamam eles, foi-nos concedido – sabe-se lá por quem! – o direito à posse de qualquer lugar do Universo onde a vida tenha condições de florescer.
Essa tese ambiciosa, mas antes de tudo soberba, está presente, nas linhas ou entrelinhas de uma porção de escritos de natureza religiosa e política, uns novos, outros nem tanto. No mundo atual, porém, sua alegre e movimentada moradia tem sido a chamada ficção científica.
De fato, contam-se aos milhares os romances, filmes e histórias em quadrinhos protagonizadas por cientistas meio birutas e bandos de aventureiros aloprados, que percorrem o espaço sideral a fim de descobrir planetas, cujas condições naturais permitam que um dia sejam habitados e explorados por grandes contingentes humanos.
Em algumas dessas obras os novos Colombos já descobriram um mundo remoto e agora começam a explorá-lo. Caso seja habitado, já guerreiam, com disposição colonizadora e latifundiária, para expulsar – ou simplesmente destruir – os donos do lugar, a fim de se apossarem de seus espaços e riquezas.
O ramo da ficção científica onde floresce esse tipo de narrativa tem uma designação própria: space opera. E não foram muitos os autores de FC que até agora se mostraram capazes de escapar às tentações do modelo mata-e-esfola. Exceção notável: o polonês Stanislas Lem. Em seu romance Solaris, viajantes terrestres descem num planeta distante, descobrem suas intrigantes particularidades físicas e entram em contato com seus não muito comunicativos habitantes.
Poderiam facilmente eliminá-los, como é costume entre a maioria dos heróis da imaginária conquista espacial. Mas, ao contrário deles, esforçam-se para não entrar em conflito com os locais. Tentam entendê-los. E o leitor não demora a perceber que os astronautas de Lem não são conquistadores: seu objetivo é estabelecer um padrão civilizado para os futuros encontros de humanos e extraterrestres.
Mas como os admiradores de Lem são minoria exígua, fico a imaginar o rebuliço da sôfrega patota antropocêntrica, afinal premiada com a notícia de que em Marte existe água, e portanto condições para a vida humana. Em algum lugar, um bandeirante berra para os seus seguidores:
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– Vamos lá, cambada! Peguem os trabucos e vamos colonizar o Vermelhinho! Rápido, rápido, antes que outros nos passem a perna e nos roubem o prazer de matar alguns milhares daqueles feios e desengonçados marcianos!
Ciclovia? Que ofensa!
Ah, esses maravilhosos octogenários adolescentes!
Bem que Eco disse