Quem leu a recente autobiografia \”O Menino que Tinha Medo de Gente\” deve lembrar da confissão que fiz sobre o complexo, até hoje incurável, da ausência na memória de minha cidade natal. Conforme fiquei sabendo por uma irmã mais velha, nasci na cidade de Porto Velho (RO), de onde saí aos três meses de idade e só retornaria aos 36 anos. Filho de pai médico, que não se fixava mais de dois anos clinicando em cidades nas quais era solicitado, não tive o prazer de desfrutar do convívio de outros amiguinhos-crianças.
A esta altura do campeonato de longevidade, já nonagenário, só agora decidi adotar uma das três cidades, com as quais me identifiquei após a adolescência: Belém do Pará, Rio de Janeiro e Brasília. Sobre a primeira – terra de minha mãe, Margarida de Castro, filha de família tradicional – não conheço paraense que goste mais do que eu das comidas típicas locais: tacacá, pupunha, maniçoba, açaí, cupuaçu, etcétera; ou quem tenha maior enlevo em contemplar a linda paisagem da baía do Guajará, no rumo da ilha do Marajó.
Quanto ao Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa, na qual convivi mais tempo depois dos 11 anos de idade, época em que era de fato maravilhosa em todos os sentidos. Profissionalmente, como repórter, conheci quase todos os bairros do Rio, incluindo subúrbios da Leopoldina, da Central do Brasil e até da badalada zona Sul. Mesmo assim, nunca me senti carioca, muito embora continue amando o Rio de Janeiro e, principalmente, o povo guanabarino, pela sua maneira descontraída de saber viver.
No entanto, os paraenses e os cariocas que me desculpem, mas já decidi adotar a minha cidadania por Brasília, relacionada a tantas causas meritórias, incluindo Juscelino Kubitschek. E a razão primordial aconteceu ao pisar o chão brasiliense, quando viajei do Rio para cobrir jornalisticamente a visita do presidente Eisenhower, dois meses antes da inauguração da Nova Capital, que aconteceria em 21 de abril de 1960. Porém, o que reforçou a minha decisão não foram as curvas femininas dos prédios projetados por Niemeyer, mas sim o que os espíritas chamam de \”energia cósmica\”, que envolve o coração e a alma da gente.
E como os adeptos de Allan Kardec acreditam na Reencarnação, se isso for verdade, vou pedir ao São Pedro para reencarnar aqui em Brasília. De preferência na Asa Sul.