No dia que o presidente Jair Bolsonaro demitiu o ex-secretário de Cultura, Roberto Alvim, por causa do discurso nazista proferido nas redes sociais, o advogado gaúcho Pedro Koeche Cunha protocolou na Justiça Federal uma Ação Popular contra o lançamento do Prêmio Nacional das Artes. A ação tramita na 8ª Vara Federal de Porto Alegre sob o nº 5002521-20.2020.4.04.7100.
No entendimento do advogado, não basta o Presidente da República demitir o secretário Roberto Alvim. “O prêmio anunciado é claramente direcionado, buscando privilegiar a concepção chauvinista e higienista do governo Bolsonaro”, declarou em suas redes sociais.
Koeche Cunha afirma que é preciso anular a premiação em razão da forma e dos critérios anunciados desde já. “É necessário que o projeto de poder que tem ojeriza à arte e à cultura popular brasileiras seja barrado”, anuncia no seu Facebook. Em entrevista para o Brasília Capital, o advogado explica que a Ação Popular pode ser ajuizada por qualquer cidadão, desde que a pessoa verifique a existência de algum prejuízo ao erário ou à moralidade administrativa.
No caso do Prêmio Nacional das Artes, ele disse que vê, tanto no discurso de Roberto Alvim – por ter sido mais do que apologia ao nazismo – como no projeto anunciado, um instrumento tendencioso de arte e cultura lesivo ao patrimônio público e à moralidade administrativa.
“O projeto foi anunciado num vídeo em que o agora já exonerado secretário especial da Cultura adotava um tom claramente nazifascista no discurso dele em que exaltava Deus, pátria, família, ferindo a laicidade do Estado e uma série de dispositivos constitucionais sobre a separação entre Estado, igreja e religião e a respeito da necessidade de pluralidade na arte popular, na promoção de arte e cultura pelo Estado”, afirma.
Ele afirma que o projeto “é lesivo desde o anúncio do Prêmio Nacional das Artes porque, conforme amplamente divulgado pela mídia”. Para Koeche Cunha, a demissão do secretário não foi o suficiente para acabar com o dano que essa premiação está causando ao Brasil.
“Isso porque, tendo sido lançada com esse discurso de inspiração nazifascista e direcionado a privilegiar determinados tipos de artes que se encaixem dentre aquelas que o governo Bolsonaro pretende referendar, esse prêmio está maculado desde o início por esse tipo de retórica”.
O edital do Prêmio Nacional das Artes, no entanto, ainda não foi lançado. De acordo com o discurso do ex-secretário, isto ocorreria durante esta semana. É possível que, em razão da repercussão negativa, o governo adie ou até deixe de lançá-lo.
“A ação pretende que este projeto e qualquer premiação decorrente ou análoga ao Prêmio Nacional das Artes, que seja lançado desde o início com um direcionamento de discurso e de objetivo com o qual está prevista nessa premiação, ela não poderá ser promovida pelo Estado brasileiro com pagamento de prêmios com dinheiro público porque não representa, de fato, a pluralidade cultural e a devida proteção e incentivo à arte que estão previstas na Constituição Federal”, explica o advogado.
A premissa definida na Lei Maior é a de que o projeto que promova as artes e a cultura nacionais não pode ser, desde o início, vinculado a determinado tipo de arte ou a determinado tipo de obra artística que estejam unicamente de acordo com os critérios que os atuais mandantes do Poder Executivo Federal entendem como sendo arte.
“O governo não pode fazer esse corte desde o início, porque significa um direcionamento de verba pública para uma visão de mundo que o governo Bolsonaro quer implantar nas artes e na cultura do País. A promoção às artes e à cultura é um projeto de Estado e não um projeto de governo, momentâneo, que atende aos anseios do presidente da vez”, afirma.
Com base em vários dispositivos constitucionais, Koeche Cunha informa que a Constituição determina que, na promoção da arte, enquanto política pública, o governo, o Poder Executivo, deve privilegiar a diversidade das expressões culturais, a transversalidade das políticas culturais, a transparência no compartilhamento das informações.
“A Constituição prevê que o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, que o ensino deve ser ministrado com a divulgação do pensamento e a arte deve proteger o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, o que, claramente, não está contemplado nesse prêmio nacional desde o início, a exemplo do discurso divulgado pelo então secretário, totalmente direcionado para determinado tipo de arte”.
Cunha considera que a arte e a cultura brasileiras como um todo são prejudicadas pelo Prêmio Nacional das Artes porque se trata de uma política pública que privilegia determinado tipo de arte, uma arte patriota, com vinculação a Deus, à família, à coragem do povo, como foi citado pelo ex-secretário. É o Estado induzindo que tipo de arte os cidadãos vão produzir e pagando a partir de uma arte que ele reconhece como arte.
Ele afirma que o Estado brasileiro não deve sustentar esse tipo de projeto por infringir a Constituição em vários artigos e outros motivos, dentre eles, porque, “no momento atual, temos um governo que, na minha interpretação, é protofascista, o que faz o Estado não ter legitimidade para dizer o que é arte e o que não é”.
Koeche Cunha diz ainda que, além disso, “seria uma destinação imprópria do dinheiro público: Mais de R$ 20 milhões, para privilegiar um projeto de arte que não é democrático, não é popular e é tão somente uma concepção de arte que o governo Bolsonaro tem, o que não dialoga com uma série de princípios constitucionais, da impessoalidade, da separação de poderes, enfim, da própria democracia brasileira”, finaliza.
EDITAL
O edital do Prêmio Nacional das Artes ainda não foi divulgado pela Secretaria Especial de Cultura. Todavia, em seu discurso, no dia 16 de janeiro, o ex-secretário anunciou os princípios. Segundo ele, o Prêmio Nacional das Artes irá destinar mais de R$ 20 milhões para fomentar a produção artística nas cinco regiões brasileiras.
Em sete categorias, irá selecionar 5 óperas, 25 espetáculos teatrais, 25 exposições individuais de pintura e 25 de escultura, 25 contos inéditos, 25 CDs musicais originais e 15 propostas de histórias em quadrinhos. A premiação será em setembro de 2020, quando a Secretaria organizará um grande evento Brasília, o qual será denominado Mês do Renascimento da Arte Brasileira.
Na ocasião, haverá a estreia das cinco óperas premiadas e cinco espetáculos teatrais selecionados, bem como das 25 exposições de pintura e das 25 de escultura. Ainda segundo o ex-secretário, no projeto está previsto o lançamento de um livro com os 25 contos vencedores e 25 CDs de compositores, com apresentações ao vivo de cinco concertos.
Serão distribuídos, gratuitamente, exemplares das histórias em quadrinhos apoiadas pelo Prêmio. Após a estreia, os espetáculos, exposições e concertos circularão pelos municípios de todas as regiões do País.
INSCRIÇÕES
A Secretaria Especial de Cultura informa em seu site que a publicação do edital do prêmio está prevista para esta semana no Diário Oficial da União. A partir da publicação, quaisquer artistas, gestores e produtores culturais poderão inscrever seus projetos, até o dia 9 de março, por meio do Sistema de Apoio às Leis da Cultura, (Salic), em uma das sete categorias.
Em todas as categorias serão escolhidos projetos das cinco regiões brasileiras. A seleção dos projetos vencedores em cada categoria será feita por comissões formadas exclusivamente para esta finalidade. Cada uma terá cinco integrantes, sendo dois servidores da Secretaria Especial da Cultura e 3 representantes da sociedade civil com notório saber nas respectivas áreas. Os resultados serão divulgados em abril e os prêmios serão pagos em maio deste ano.