É estarrecedor que uma onda de denúncias seja estimulada contra um hospital e uma equipe de profissionais, provocando uma crise na saúde pública, como ocorre em Samambaia. Mais ainda no Distrito Federal, que tem uma das menores taxas de mortalidade neonatal do país (8,2 por 1 mil nascidos vivos). Fica pior quando se considera que o alvo é exemplo para a maioria das maternidades do país e reconhecido como referência pela Pastoral da Saúde da Igreja Católica: enquanto a maioria dos partos realizados no Brasil (cerca de 55%) são cesarianos, no Hospital Regional de Samambaia, 70% dos partos realizados são normais.
São realizados no HRSM de 400 a 450 partos por mês – foram 3.741 em 2018, número que coloca o Centro Obstétrico do hospital como o terceiro do DF em relação à produtividade, apesar de o hospital ser pequeno.
A crise gerada em relação ao atendimento obstétrico no HRSM gira em torno de interpretações e visões diferentes a respeito de temas de saúde e questões transversais de caráter legal, ético, ideológico, técnico-científico, comportamental, profissional, político, emocional e da gestão dos serviços públicos. Turbulência e desentendimento que são nacionais e motivam a queda vertiginosa na busca por especialização médica em obstetrícia.
O parto, em si, envolve emoções conflitantes, dor, sangue, suor, lágrimas, técnica, ciência e, não raro, decisões difíceis a serem tomadas de imediato, para evitar sofrimento desnecessário e/ou salvar as vidas das mães e dos bebês. Na imensa maioria das vezes, as lágrimas são de alegria.
No dia a dia, decisões políticas equivocadas e a insuficiência de investimento dificultam a assistência obstétrica e das demais especialidades médicas. Ao mesmo tempo, aumenta a demanda de uma população cada vez maior, que se sente desamparada, frustrada e revoltada porque o Estado não oferece o atendimento desejado. E. no centro de todas as questões que, direta ou indiretamente, compõem essa discussão estão pacientes e médicos, na situação ainda mais delicada um atendimento duplo e simultâneo – à mãe e ao bebê.
Os médicos e demais profissionais de saúde também estão expostos, vulneráveis, ameaçados e assustados. Todas as fases do acompanhamento no processo da gestação ao puerpério (pós-parto) estão prejudicadas nas unidades públicas de saúde do DF. Faltam profissionais qualificados em número suficiente para o pré-natal, especialmente depois que os ginecologistas foram tirados dos centros de saúde. Na hora do parto, faltam leitos, profissionais em quantidade adequada, equipamentos e materiais para acolher e tratar devidamente as parturientes e os bebês. Por último, no período do puerpério, quando a mulher passa por uma série de modificações físicas e psicológicas, também não existe estrutura suficiente para o atendimento humanizado.
Com a forma atabalhoada que se lançou aos quatro ventos a possibilidade de que tenham ocorrido erros nos procedimentos de parto – é indispensável deixar claro que não houve comprovação de um único erro – criou-se um drama social e um problema de saúde pública: 400 partos realizados por mês podem deixar de ser realizados no HRSM, porque criou-se pânico entre as gestantes; servidores, assustados e amedrontados diante de ameaças dentro dos próprios corredores do hospital, sentem-se compelidos a pedir remoção; e novos servidores que venham a ser contratados não vão querer assumir vaga de trabalho naquela unidade de saúde.
Mais do que qualquer um, os profissionais (médicos e toda a equipe do HRSM) desejam apuração rápida, séria e a confirmação para a população de que, apesar de todas as limitações que se impõem a cada dia, ali se pratica boa medicina em benefício de toda a população da cidade.