Aldemario Araujo Castro (*)
Javier Ruiz, morador da cidade de Valência, na Espanha, começou o dia 21 de maio de 2023 postando freneticamente nas redes sociais. Era o dia do jogo de futebol entre o Real Madrid e o Valência. O conteúdo das mensagens de Javier, torcedor entusiasmado do clube local, não versava sobre questões esportivas. Todas foram dirigidas a denegrir a imagem de um dos atletas do Real, o jogador negro Vinícius Júnior, também conhecido como Vini. Javier não poupou agressões ao jovem integrante da equipe de Madrid só, e somente só, por causa da cor negra da pele de Vini Jr.
Depois de postar mais de vinte mensagens, Ruiz convidou um grupo de amigos para assistir o jogo entre o Real e o Valência. No convite havia a recomendação explícita de “zoar o mono”, antes, durante e depois do jogo. “Mono” é a palavra em espanhol para macaco. O “mono” em questão era ninguém mais, ninguém menos, que o atacante Vinícius Júnior.
Quatro amigos aceitaram o duplo convite, para comparecer a peleja e para atacar ferozmente o jogador do Real. No metrô, a caminho do Estádio de Mestalla, treinaram, sem descanso, os cânticos racistas que seriam utilizados nas arquibancadas a cada aproximação do craque.
Na chegada do time do Real Madrid ao estádio, Javier e seus amigos se juntaram a dezenas de outros torcedores na execução impiedosa dos primeiros insultos contra a figura do jogador brasileiro com atuação no poderoso clube espanhol.
Durante a partida, o quinteto de amigos e inúmeros outros torcedores não pouparam gritos de “mono” e bizarrices semelhantes dirigidas ao mais talentoso jogador dos merengues. Os presentes ao Estádio, e depois o mundo, testemunharam um grotesco espetáculo da mais vil discriminação em estado bruto. Vinícius, o Vini, não aceitou passivamente às agressões sofridas. Protestou, resistiu e respondeu de todas as formas possíveis.
Os cinco amigos e tantos outros, dentro e fora do Mestalla, foram ao delírio com a expulsão de Vinícius Júnior no ápice dos imbróglios relacionados com as manifestações de racismo. Houve, para dizer o mínimo, uma estranha inversão de valores em termos de conduta esportiva.
Na saída do estádio, Javier foi empurrado por um dos amigos depois de uma discussão sobre algum assunto banal. O jovem torcedor caiu de uma altura de cerca de três metros batendo violentamente a cabeça em uma peça de concreto. A quantidade de sangue denunciava a gravidade da situação. O socorro chegou rápido e Javier foi levado ao Hospital General.
No hospital, estava de plantão uma equipe médica composta pelo doutor Alejandro Diaz, pelo enfermeiro Rafael Fernandez e pelas enfermeiras Maria Dolores Lopez e Vega Martinez, todos experientes profissionais. Nenhum deles contava com menos de dez anos de atuação em emergências hospitalares.
O caso era realmente delicado. O risco de morte estava presente. Os procedimentos de estabilização e recuperação do paciente, concluídos com sucesso, consumiram algumas horas de trabalho árduo e dedicado.
A família de Javier foi avisada que tudo estava sob controle e o dia terminaria bem para o jovem torcedor do Valência. No instante da ligação telefônica recebida do hospital, os pais de Javier acompanhavam pela TV a enorme repercussão dos atos de racismo ocorridos antes e durante a partida de futebol entre o clube da capital e a agremiação local.
Os pais de Javier receberam, via mensagem instantânea de celular, uma foto da equipe médica que manteve o filho vivo. Eram quatro pessoas sorridentes e plenamente realizadas com o nobre trabalho de salvar vidas e fazer o bem a um torcedor desconhecido, independentemente da cor de sua pele. Na foto apareciam um médico, um enfermeiro e duas enfermeiras, como dito antes. Todos eram negros. Todos eram negros como Vinícius Júnior.
(*) Advogado Mestre em Direito Procurador da Fazenda Nacional