Bianca Tinoco vive em Brasília e tinha um filho de 5 anos quando decidiu adotar uma criança. Apaixonou-se por uma menina de 7 que a acolheu como mãe. Com o processo em andamento e a guarda provisória, entrou com o pedido de licença maternidade. No entanto, aquilo que seria um caminho natural, precisou da intervenção da Justiça.
Funcionária da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Bianca obteve apenas 45 dias de licença, como prevê a lei 8.112, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais. Essa lei determina que as mães adotantes teriam direito a licença maternidade por períodos diferentes em função da idade das crianças. Inconformada, recorreu a instâncias superiores pedindo revisão desse prazo. No final de maio, obteve uma liminar no Tribunal Regional Federal TRF) equiparando seu direito ao das mães genitoras.
A decisão teve por base a luta de outra mãe, a pernambucana Mônica Correia de Araújo, que, pleiteando os mesmos direitos, havia obtido sucesso, embora preliminar, com a mesma tese de que a criança tem direito à atenção da mãe, independentemente de ter sido gerada por ela ou não.
O caso de Mônica foi a base para uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Roberto Barroso que, com um olhar sob o ponto de vista da criança e não da mãe, alterou o artigo 210 da lei 8.112, Assim, servidoras públicas, mães por adoção, terão direito aos 120 dias de licença-maternidade e prorrogações cabíveis, independentemente da idade da criança.
Na análise, o STF entendeu que “as crianças adotadas constituem grupo vulnerável e fragilizado. Demandam esforço adicional da família para sua adaptação, para a criação de laços de afeto e para a superação de traumas. Impossibilidade de se lhes conferir proteção inferior àquela dispensada aos filhos biológicos, que se encontram em condição menos gravosa. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente”.
A partir dessa interpretação, concluiu que “os prazos da licença adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada”. Tal decisão ocorreu no dia 27 de julho último e foi considerada de repercussão geral. Isto implica dizer que todos os outros tribunais seguem essa decisão.
Segundo a advogada Karina Berardo, mãe por adoção de duas crianças e voluntária na ONG Aconchego, a decisão do STF é um avanço, pois coloca em foco a criança e não a mãe. E é também um reconhecimento do direito de filiação. Ela destaca que “adotar significa se tornar responsável por, não importando a maneira como a mulher se tornou mãe”. Ela lembra ainda que, no caso da licença paternidade, por ser mais recente, não há diferença quanto ao tempo da licença em função da idade da criança acolhida.
Reforçando esse direito da criança, o agricultor do Rio Grande do Sul, Norberto Lino Ribas, após sua mulher decidir abandonar a criança logo após o nascimento, requereu a licença-maternidade. Norberto, que é o pai biológico, teve o pedido negado pela Previdência Social, mas a Justiça reconheceu o direito da criança e concedeu-lhe a licença-maternidade com a respectiva remuneração.
A situação é complexa, principalmente, em casos da adoção, que vem crescendo no Brasil. Existem hoje mais de 40 mil crianças e adolescentes vivendo em situação de abrigo, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e muitas pessoas na espera para adotar uma delas. O processo é longo, uma vez que é preciso estar bem ciente das responsabilidades que implicam tal escolha.
Também vêm mudando as preferências relacionadas a cor, gênero e idade das crianças, bem como os tipos de pessoas que optam por acolhê-las. O conceito de família aqui é amplo, baseado na idéia de “alguém que esteja disponível para amar e cuidar”, destaca Karina, que ainda reforça: “toda mulher para ser mãe tem que adotar, se tornar responsável, não importa se ela gerou ou não; é o exercício da maternidade que faz a diferença”.
Recentemente o casal de artistas Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank adotou uma menina no Malawi, na África. Eles a conheceram quando faziam um trabalho naquele país. Foram criticados por alguns e elogiados por outros. Karina lembra que, “independentemente de onde esteja a criança, ela pode ser escolhida e também escolher. Durante o processo de adoção as crianças também são ouvidas”.
No caso do Brasil, durante todo o processo, cada criança pode escolher se quer ser adotada ou não e se concorda com o acolhimento daquela pessoa ou casal que a quer como filho (a). A escolha precisa ser recíproca, sendo necessário ser acolhido como filho (a) e como pais.
Cuidar e acolher exigem amor. É por isso que o processo prevê várias etapas, incluindo um curso onde diversas situações são abordadas. Preconceitos de todos os tipos, aceitação por parte de outros membros das famílias dos adotantes que também devem acolher essa nova pessoa, as responsabilidades implícitas nessa escolha, são algumas das situações, até que o Estado encontre uma família. De acordo com a legislação em vigor as crianças e adolescentes não deveriam ficar em situação de abrigo por um período superior a dois anos.
Para isso está previsto que a cada seis meses seja realizada uma audiência concentrada. Esse tipo de audiência foi regulamentado pelo CNJ para definir e avaliar a situação das crianças. Nessas situações todos os representantes dos órgãos da Vara da Infância, reunidos, vão aos abrigos avaliar, simultaneamente, vários casos, verificando a situação escolar, médica e emocional das crianças e adolescentes.
Analisam ainda se há famílias que podem recebê-los, se têm parentes ou se os genitores podem mantê-los ou não, se estão inclusos no cadastro para adoção, dentre outras questões que envolvem o universo de cada um.
No Distrito Federal, entretanto, essas audiências concentradas foram suspensas. O juiz Renato Rodovalho Scussel, da Vara da Infância e da Juventude (VIJ-DF) afirma que “embora o Poder Judiciário da União esteja, de fato, tendo de lidar com o relevante corte orçamentário imposto neste ano, a suspensão temporária das audiências concentradas nas entidades de acolhimento infantojuvenil do DF não se deve simplesmente à “economia de combustível”, mas também a problemas com o déficit do número de servidores.
Além disso, “a VIJ-DF está colocando em prática um legítimo processo de revisão e aperfeiçoamento dos procedimentos relativos a esse tipo de audiência, a fim de trazer mais efetividade e celeridade às ações e decisões a favor dos acolhidos”. Completa esclarecendo que “nenhuma mudança causará qualquer prejuízo à análise cuidadosa da situação de cada criança e adolescente que se encontra acolhido institucionalmente no DF”.
Hoje os movimentos organizados, além da adoção, estimulam o apadrinhamento afetivo de crianças e adolescentes tidos como inadotáveis ou que não querem ser adotados, mas que precisam ser inseridos na sociedade como um todo. Nesses casos, os menores são consultados se desejam participar do programa que não prevê adoção e sim uma aproximação com o mundo externo ao abrigo. Por exemplo, se um adolescente gosta de desenho e houver arquitetos que podem apadrinhá-lo, essa relação pode começar pelo interesse que ambos têm em comum. Isso também pode ocorrer com o esporte, a música, as artes e outros ofícios.
A luta não é nova e já passou por várias fases desde a roda dos enjeitados até a aceitação das diferenças e o exercício, individual e coletivo, de se despir dos preconceitos. A Justiça e as equipes de abrigos e de ONGs, como a Aconchego, continuam trabalhando juntos no sentido de estimular a convivência familiar e comunitária. O objetivo é que adultos, crianças e adolescentes possam se encontrar, acolhidos pelo amor.