Os acidentes em barragens de rejeito de mineração ocorridos em Mariana, em 2015, e em Brumadinho, na sexta-feira (25), abalaram o Brasil e o mundo. Mas assustaram em especial o estado de Minas Gerais, onde a exploração de minérios é mais intensa e a prática desse tipo de contenção mais comum.
O município de Congonhas, a 82 quilômetros de Belo Horizonte, abriga em sua circunscrição 24 barragens de rejeitos da mineração. Além da insegurança dos cerca de 55 mil habitantes, o centro histórico, que é Patrimônio da Humanidade, corre perigo na rota da lama num eventual rompimento.
Congonhas teve origem em 1757 quando foi fundado o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, por Feliciano Mendes, vindo de Portugal. Em 1936, tornou-se oficialmente município. Seu solo é rico minérios de ferro. Por isso, a cidade está rodeada por minas e barragens de rejeitos.
Uma das maiores, a Casa de Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), tida como insegura, fica a menos de 250 metros dos bairros do Cristo Rei, Eldorado e Royal Park, com cerca 5 mil habitantes.
Em 2018, a CSN e o Ministério Público firmaram um acordo para que a mineradora adotasse uma série de medidas de segurança. Segundo laudo do Centro de Apoio Técnico do MP, existiam fortes indicadores de que a represa apresentava infiltrações e desgastes, e estaria propensa a rompimento.
A Casa de Pedra tem cerca de 10 milhões de metros cúbicos de rejeitos. A barragem se eleva a 80 metros acima de Congonhas – que está localizada em uma região de vales e serra. Para se ter um exemplo do potencial risco para a população, o rompimento de Brumadinho, no dia 25 de janeiro, derramou uma quantidade de lama dez vezes menor do que a existente na barragem da CSN. Em Brumadinho, as casas atingidas ficavam a cerca de 2,3 quilômetros de distância. Em Congonhas, os bairros mais próximos estão a 250 metros.
Mesmo depois da adoção dessas medidas, a Prefeitura Municipal de Congonhas iniciou um plano de segurança para situações emergenciais. Dentre elas, estão o cadastramento de pessoas que habitam a região, identificação de locais para abrigo e planejamento de rotas de fuga em caso de acidentes. Ainda há a previsão de treinamento de lideranças comunitárias e instalação de sirenes para emissão de avisos de emergência.
Negligência – Desde 2015, quando a barragem da Samarco, em Mariana, cedeu e derramou 50 milhões de metros cúbicos de lama na foz do Rio Doce, outros acidentes ambientais de grande porte foram registrados em atividades de extração de minérios. Em Barcarena (AM), a empresa norueguesa Norsk Hydro derramou metais tóxicos em rios e igarapés contaminando ribeirinhos e populações tradicionais que se alimentam e vivem da pesca. De novo em Minas, houve o rompimento de uma tubulação de um mineroduto da empresa Anglo American: 3.2 mil pessoas foram afetadas pela interrupção do serviço de abastecimento, devido à contaminação de águas.
Existem atualmente no Brasil mais de 24 mil barragens, sendo que ao menos 723 são de alto risco. Segundo relatório da Agência Nacional de Águas (ANA), das 24 mil, apenas 780 passaram por algum tipo de vistoria de órgãos de fiscalização em 2017. Ou seja, menos de 3% das barragens em funcionamento. Em decorrência dos últimos acidentes, deve ser instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as causas do rompimento da barragem da empresa de mineração Vale e evitar novas catástrofes. As atividades devem ser iniciadas tão logo o Congresso volte do recesso em 1º de fevereiro.
Oito perguntas para Neylor Aarão, secretário de Meio Ambiente (Semma) da Prefeitura de Congonhas (MG):
Quantas barragens existem no município e quantas impactariam diretamente a população? – Um levantamento realizado em 2018 identificou que 24 barragens podem afetar áreas urbanas em Congonhas, sendo 23 barragens de rejeitos de mineração e uma de acumulação de água, o Lago Soledade. Estas apresentaram maior dano potencial, conforme classificação da Portaria DNMP nº 70.389.
Existe alguma situação de alerta em vigor no município? – Há sirenes instaladas. Mas, na avaliação da Semma, não atendem a situações de emergências, pois os trabalhos de treinamentos e simulados de evacuação são ineficientes e sem nenhum efeito prático, com baixa participação popular, além de muitas empresas não terem sequer iniciado os simulados.
A barragem Casa de Pedra, da CSN, é 10 vezes maior do que a que rompeu em Brumadinho, onde o o povoado mais próximo localizava-se a cerca de 2,3 quilômetros. Em Congonhas, pelo menos um bairro encontra-se a 250 metros da barragem. Quais as medidas adotadas pelo governo para evitar danos? – Dados oficiais da Semma indicam que a barragem Casa de Pedra (50 milhões de m3) é pouco mais de quatro vezes maior que a do Córrego do Feijão, em Brumadinho, com 12 milhões de metros cúbicos. A prefeitura elaborou um Plano Municipal de Gestão de Barragens, pioneiro no Brasil, que deverá ser implementado como política pública, que menciona uma série de medidas complementares às empresas que possuem barragens no município. Ele prevê, por exemplo, entre outras obrigações, que as empresas que possuem barragens no município de Congonhas que possam provocar dano potencial sejam convocadas a integrar o Plano Municipal de Segurança de Barragens, devendo cada qual providenciar imediatamente os fundos para custeio das ações e medidas especificadas, segundo e proporcionalmente o volume de material acumulado por cada empresa em suas barragens. No entanto, as empresas não apresentaram a adesão satisfatória, nem adotaram as medidas recomendadas, e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente expediu multas superiores a R$ 2 milhões a cada empresa, sendo elas a CSN, a Vale S/A, a Gerdau S.A e a FerrousRessouce do Brasil, além de multa diária até o cumprimento da determinação que deverá se dar por meio de assinatura de Termo de Compromisso Ambiental.
Em 2018, o governo de Minas criou uma equipe para avaliação da situação de barragens, em condição de sigilo, para avaliar possíveis riscos. Existe um trabalho acumulado com relação a esta barragem? – Tudo isso consta do nosso Plano Municipal de Gestão de Barragens.
A prefeitura e o governo do estado são responsáveis por licenciar ambientalmente e fiscalizar a execução e validade destss licenças. Como estão as licenças de operação dessas barragens? – O licenciamento deste porte de empreendimento compete exclusivamente à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, e a fiscalização à Agencia Nacional de Mineração. No entanto, o município criou, em 2017, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, para, dentre outras atribuições, acompanhar os processos de licenciamento e agir de forma supletiva ao estados e à União, a fim de garantir a máxima segurança no que diz respeito à estabilidade, monitoramento e fiscalização das barragens.
As mineradoras deveriam cumprir uma série de exigências, condicionantes dos processos de licenciamento, que incluem medidas de segurança, como rotas de fuga em caso de rompimento, cadastramento de moradores possivelmente afetados, instalação de equipamentos de segurança e monitoramento. Como está esse trabalho? – A CSN Mineração trabalha em ritmo lento, não atendendo a urgência que o assunto merece. A Vale, a Gerdau e a Ferrous trabalham em ritmo mais lento ou ainda sequer deram início aos treinamentos e apoio à Defesa Civil na construção do Plano de Contingenciamento da cidade de Congonhas.
Congonhas é Patrimônio Histórico e Cultural e hospeda grande parte da obra do artista barroco Aleijadinho. Existe algum tipo de fundo no sentido de preservação desse conjunto arquitetônico e que tenha relação com as medidas de proteção no caso de rompimento de barragens? – O Plano Municipal de Gestão de Barragens prevê “estudar medidas para salvaguarda e resgate do Patrimônio Histórico e Cultural”. No entanto, as empresas não estão cumprindo as determinações contidas nele. Portanto, esse patrimônio está vulnerável a qualquer risco ou acidente.
Quantas pessoas encontram-se em áreas de risco? – Os bairros Eldorado e Gran Park não são afetados pelo impacto direto. Já o bairro Cristo Rei será parcialmente afetado, juntamente com os bairros Residencial, Fonte dos Moinhos, Centro e Praia. Estima-se que cerca de 1.500 pessoas possam ser afetadas diretamente em caso de rompimento da barragem Casa de Pedra.