Anna Ribeiro (*)
Eis que chagamos ao fim. Fim do ano. E com ele a nossa imensa lista do que deveria ter sido, mas não foi. Nos açoitamos sem nenhuma condolência. Aqueles quilos que você deveria ter perdido, aquele salto profissional que não chegou, aquele relacionamento que não sobreviveu às suas infinitas expectativas. A sua conta bancária deveria estar mais alta, e o seu peso mais baixo. Algo deu errado. Idealizações, hipóteses, sombras.
Eis que chegamos ao fim. Fim da linha. A areia da sua ampulheta denuncia o transcorrer implacável do tempo. Então, o que nos resta? A culpa, o autoflagelo, a comiseração. O nosso olhar cruelmente nos evidencia as feridas que foram abertas durante o ano. As quedas. Os erros, os enganos.
Eis que chegamos ao fim. Morte antecipada. Um acerto de contas secreto que fazemos em silêncio. Na nossa lista de compras para o final do ano somos exagerados: muita comida, bebida e presentes. O que será que estamos comprando de fato?
Tentamos comprar o silêncio do outro. Tentamos. Mas, sempre tem aquele parente que vai te torturar com perguntas que você não tem como responder. Casou? Engravidou? Foi promovido? Comprou sua casa?
Eis meu olhar. A vida transcorreu e a minha atuação foi do trágico ao cômico inúmeras vezes. Algumas vezes protagonizei dramas, romances. Não teve ensaio. Não teve dublê. O sangue era de verdade. A cicatrização também. Tenho um afeto especial pelas cicatrizes, para mim, elas são provas cabais de que sobrevivemos.
Eis meu olhar. Eu me apaixonei perdidamente e me desiludi e me reinventei. E isso garante a veracidade de dois fatos. Sim, eu posso me apaixonar e sou forte o suficiente para suportar uma ruptura, um fim. Potência de agir! Coragem para perder-se de amor. Coragem para encerrar o que não te faz bem. Então eu te pergunto. Deu errado? Não deu. E a prova disso é que você está aqui, conversando comigo.
Eis meu olhar. Tudo bem, você não se tornou uma modelo da Victoria`s Secret. Mas, já parou para perceber o quanto você se tornou mais divertida e inteligente, mais você mesma? Limitar-se a estereótipos é muito pouco para você que é muito, muito mais que um corpo.
Eis meu olhar. Estamos todos vivos. Ainda mais vivos depois de atravessar nossas pequenas mortes. Vivos! E, sim, é tempo de celebrar o que de verdade aconteceu e não as nossas projeções do que deveria ter sido. E, só pra te acalmar, o silêncio não existe. Gritamos o tempo todo, a nosso modo particular, o que está acontecendo conosco.
E para os curiosos de plantão: sim, casei, engravidei, perdi o bebê, eu mesma me promovi e não comprei uma casa.
Feliz olhar novo!
(*) Escritora