O Brasil dos tempos da ditadura, da truculência, do coronelismo, do desrespeito aos direitos de expressão e de manifestação ressurgiu em dois episódios nesta semana. Num deles, de maior gravidade, um jornalista foi brutalmente executado com mais de 20 tiros em Santo Antonio do Descoberto (GO), a 50 quilômetros da Esplanada dos Ministérios. No outro, um ex-senador, já idoso, foi carregado como se fosse um saco de batatas por quatro policiais militares após ter sido tirado à força de uma manifestação na capital paulista.
No município goiano, a barbárie cheira a crime encomendado, algo típico dos antigos coronéis, senhores de currais eleitorais. Mais que isso, da vida e da morte. No domingo (24), no portão da própria casa, João Miranda, comandante do site S.A.D. Sem Censura foi morto por quatro homens, segundo testemunhas. Em seu portal, o jornalista costumava fazer denúncias contra o governo do prefeito Itamar Lemes do Prado (PDT), candidato à reeleição em outubro. Miranda ainda denunciava outros políticos e traficantes de drogas. Por desafiar gente perigosa, sofria constantes ameaças e já havia registrado três queixas na delegacia. Em janeiro, seu carro foi incendiado. O recado era para que “parasse de tocar em certos assuntos”. Mas ele não parou.
A ameaça mais recente ocorreu dois dias antes de ser executado. João Miranda publicou numa página do Facebook, a “Folha da Copaíba na WEB”, um vídeo em que o prefeito dava dinheiro a uma suposta funcionária municipal. O jornalista denunciou: “Itamar pagando propina para sua fiel escudeira Darlete, olhem o absurdo, tudo isso no pátio do Fórum”. Segundo uma vizinha, a mulher do jornalista contou que o marido não dormiu em casa de sábado para domingo. Ele disse que tinha visto gente rondando sua residência.
João Miranda era pré-candidato a vereador pelo PCdoB. Chefiava o gabinete do vice-prefeito, Valter da Guarda Mirim (PSOL), que entrou em rota de colisão com o chefe do Executivo municipal poucos meses após serem eleitos, em 2012. “As falcatruas aconteceram e continuam acontecendo. A corrupção ainda está presente na Prefeitura. O município está falido. Os servidores estão com salários atrasados, e a prefeitura apresentou projeto de lei com redução de cargos e salários. Está um caos a cidade”, afirmou Guarda Mirim, em maio último, quando o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-GO) apontou irregularidades na gestão de recursos destinados à saúde na Prefeitura e determinou que os gestores municipais devolvessem R$ 2,9 milhões aos cofres públicos.
Já o ex-senador Eduardo Suplicy (PT), de 75 anos, candidato a vereador em São Paulo, foi detido na manhã de segunda-feira (25), por desobediência e obstrução à Justiça. Suplicy se deitou no chão para impedir uma reintegração de posse num terreno ocupado há mais de três anos por cerca de 350 famílias na Cidade Educandário.
O petista foi retirado à força, colocado numa viatura e levado a uma delegacia. Pelo Facebook, Suplicy disse que tentava inibir a violência contra os moradores, muitos deles crianças. \”A truculência da Polícia Militar do Governo Alckmin é inaceitável. Se fazem isso com um ex-senador da República, imagine o que sofre a população que tanto precisa de apoio”.
Na saída da delegacia, horas depois, Suplicy explicou: \”Na hora que vi que policiais com escudos estavam avançando, com uma escavadeira atrás, e que [do outro lado] vinham moradores e haveria o encontro dos dois grupos fiquei com receio de haver uma cena de violência incontrolável. Então, [pensei]: eu vou me deitar aqui para prevenir e evitar qualquer violência\”.
Nos dois casos, o Brasil parece ter engatado uma marcha à ré. Resta, agora, às autoridades investigar e punir com o rigor da lei os responsáveis pelo assassinato de João Miranda. A impunidade, marca registrada dos tempos dos coronéis, não pode mais ter lugar neste País em pleno século 21. A democracia só pode sobreviver onde exista o mínimo de moralidade, de respeito às instituições e aos direitos humanos. É obrigação de todos exigir a garantia dos direitos constitucionais à expressão e à livre manifestação e, sobretudo, ao sagrado direito à vida, como defendeu Suplicy e vilipendiaram os algozes do jornalista.