José Silva Jr
A suspensão judicial da criação da Cidade Urbitá, às margens da Estrada Parque Indústria e Abastecimento (EPIA), por decisão da desembargadora Maria de Lourdes Abreu, no dia 19 de maio, trouxe alívio para os moradores da cidade. Muitos deles temem a volta de alguns fantasmas, como o inchaço de carros nas vias, especialmente na BR-020, que liga a região Norte do DF ao Plano Piloto.
Não é preciso ser nenhum engenheiro ou estudioso da área para saber que a frota de veículos terá um acréscimo grande, caso a implantação do condomínio seja liberada. A expectativa é que cada família de classe média que adquirir um imóvel ali tenha pelo menos um veículo. Aí, é só fazer a conta. Basta multiplicar um ou dois carros pelo número de unidades. Pronto! Temos aí a volta do trânsito caótico.
Renata Teixeira, 23 anos, lembra bem da época, não muito distante, em que isto ocorria. “Vai voltar a ser como era antes: aquele trânsito infernal. Vai aumentar o número de carros, de moto”, prevê. “Além disso, vai desmatar tudo aqui para fazer essa nova cidade”, lamenta.
Hugo Teixeira, 36, morador de Sobradinho, concorda com a vizinha. “Não tem estrutura para suportar esse bairro. É uma loucura essa ideia. Espero que não saia do papel”, emenda.
Obra embargada
Pelo projeto, a Cidade Urbitá terá 65 torres de apartamentos e comportará uma população de até 118 mil pessoas. Só um detalhe: o comprador da fração não poderá iniciar a obra imediatamente. No dia 19 de maio, a desembargadora Maria de Lourdes Abreu suspendeu o parcelamento.
O empreendimento já tem no forno um aporte do Banco de Brasília (BRB) para financiar a obra com dinheiro público, mas que pode render dividendos a terceiros. A proprietária daquela imensidão de terra é a Urbanizadora Paranoazinho. São empresários que possuem áreas vizinhas umas das outras e que, juntas, formam o condomínio que um dia promete se chamar Urbitá.
Empreendimento para ricos
Antes da decisão judicial, eles haviam recebido do governador Ibaneis Rocha a autorização para proceder com o parcelamento do solo da área de 1,6 mil hectares na Fazenda Paranoazinho, que fica perto de Sobradinho e à margem da Epia.
Apesar de muitas famílias carentes que precisam de moradia terem se entusiasmado com o gesto aparentemente benevolente do governador, o empreendimento não será para o bico delas, pessoas de baixa renda. Os apartamentos terão um preço alto, mas que até agora não foi definido.
Os “donos da terra” não precisariam entrar com nenhum centavo. O investimento inicial, estimado em R$ 20 bilhões para erguer as 65 torres de apartamentos, será totalmente financiado pelo BRB, como revelou a reportagem do Brasília Capital publicada na edição 568.
E os proprietários da área ainda ganharam um mimo de Ibaneis: ao aprovar o parcelamento, o governador excluiu a cobrança da Outorga Onerosa de Alteração de Uso (Onalt), o que configura uma milionária renúncia fiscal por parte do GDF.
Advogado aponta irregularidades
Por enquanto, o grupo de empresários organizado numa entidade denominada Urbanizadora Paranoazinho, entrou em compasso de espera com a decisão da desembargadora, que acatou o recurso do advogado Ennio Ferreira Bastos e Ivone Fraga Canedo.
Na decisão, à qual o Brasília Capital também teve acesso, Ennio argumenta que existe vício na cadeia dominial da gleba onde o GDF pretender erguer o loteamento. Na tese apresentada, ele explica que “a transmissão da propriedade não faz menção à origem do direito de propriedade do alienante”.
Ennio acrescentou, ainda, que a transcrição apenas em 1923 de um título de compra e venda entre dois particulares, sem a comprovação e menção ao registro anterior, torna a transferência nula de pleno direito.
Especulação destrói florestas e nascentes
A terra onde alvo de especulação imobiliária fica embaixo de uma floresta de árvores nativas. Além disso, é cortada pelas águas do Ribeirão Sobradinho. Tudo isso deve virar concreto. Ou seja, Sobradinho vai estar na contramão do mundo: em vez de preservar seu meio ambiente, vai matar floresta, lagos, ribeirões para favorecer um pequeno grupo de especuladores.