Dentro de um contexto global de aquecimento solar, escassez hídrica e diante da constatação de que 4,5 bilhões de pessoas ainda não possuem acesso a saneamento básico no mundo, especialistas finlandeses levaram à Bienal de Arquitetura de Veneza 2023 uma proposta no mínimo excêntrica: adoção de banheiro externo sem descarga. Ou seja, cinco séculos depois, a “casinha” surge, para alguns, como contribuição para um mundo ambientalmente melhor.
A estrutura, conhecida como Huussi, é baseada em banheiros populares projetados para as áreas rurais da Finlândia. Os dejetos são despejados num compartimento cheio de feno, lascas de madeira, palha de milho ou serragem, sobre o qual cada usuário coloca uma camada extra de lascas de madeira após o uso.
Ela não requer conexão com o abastecimento d’água, nem com captação de esgoto. O feno ajuda no processo de compostagem dos dejetos. Os arquitetos garantem que o sistema não provoca odores, pois o conteúdo seco do compartimento de compostagem neutraliza. Por sua vez, a urina é desviada para um biofiltro separado – recipiente onde o líquido, rico em nitrato, é filtrado através de camadas (sem odor) de solo pedregoso.
Reuso das águas – Delegações de outros países também levaram à Bienal propostas de banheiros e vasos sanitários que não usam ou usam menos água. Os alemães sugeriram um vaso sanitário com um dispositivo em forma de funil, que suportaria um saco de papel, onde as fezes seriam depositadas e posteriormente dispensadas em local apropriado, tudo sem água.
Países como a Austrália já obrigam imóveis residenciais a instalarem usinas processadoras dos esgotos, de forma a liberar uma água pré-tratada, menos poluída. No Brasil, entrou em vigor em abril deste ano a lei 14.546/23, que obriga o governo federal a estimular o uso d’água das chuvas e o reaproveitamento não potável das águas cinzas em novas edificações e em atividades paisagísticas, agrícolas, florestais e industriais.
Maior consumo de água é nos banheiros
O urbanista Frederico Flósculo salienta que o uso da água nos banheiros é um problema sério, pois, no meio urbano, a maior parte do consumo urbano com os esgotos. “O ser humano é um grande consumidor de água e o cocô humano é o campeão”, salienta. Apenas para uso sanitário, estima-se que cada habitante gaste 23 mil litros de água por ano.
Ao lado do aquecimento global, o desafio de se encontrar métodos mais racionais de uso da água, evitar o desperdício e incentivar o reuso é tema mundial. Nessa luta, o consumo hídrico no processo de esgotamentos sanitários urbanos, desde o banheiro até a estação de tratamento, é alvo importante.
Flósculo considera correta a proposta. Ele avalia que no sistema atual, o desperdício de água é absurdo. Ressaltou que, para não virar uma “solução meio hippie”, exigiria muita educação e logística refinada, e seria mais adequada em áreas como condomínios horizontais, lotes grandes como os do Lago Sul e Norte; e até mesmo nas superquadras, com estrutura comum aos blocos.
Brasília seria um bom lugar para experimentos sanitários e ambientais de autossustentação. “Temos que encarar a contabilidade das águas, que nos encaminha para uma crise, a adoção de novas tecnologias de reaproveitamento intensivo d’água de nossos dejetos e a entrada em cena dos velhos banheiros secos deve reingressar no nosso desenho urbano, Brasília tem um desenho excelente para todas as depurações possíveis”, conclui.
“Esse tipo de banheiro economiza água e recircula os resíduos de volta ao ecossistema. Nossas práticas modernas de banheiro provavelmente se tornarão insustentáveis até 2050, quando estima-se que até cinco bilhões de pessoas possam enfrentar escassez de água”, avalia a arquiteta e urbanista Marília Matoso, em artigo na revista Arch daily.
Intempéries climáticas
O ano de 2023 ficará marcado pelas intempéries climáticas que, no Planeta todo, provocaram condições extremas, com ondas de calor, secas prolongadas na Amazônia, inundações. Em Brasília, além das ondas de calor, a cidade vivencia um comportamento pluviométrico insólito.
Num período que deveria ser de reservatórios abarrotados, as barragens do Descoberto e de Santa Maria apresentam modestos níveis de volume útil: 50,8% e 40,7%, respectivamente. Em 2019, o brasiliense consumiu 158,2 milhões de litros. Isso equivale a dizer que, de três em três anos, consumimos um Lago Paranoá inteiro (500 milhões de litros).