Anna Ribeiro (*)
Há horas estou aqui esperando a hora de te ver. As horas correm dentro de mim, mas do lado de fora os minutos transcorrem preguiçosamente, deslizando o ponteiro do relógio com uma mansidão que definitivamente não reflete minha tormenta.
Ela, a urgência, é própria dos apaixonados. A iminência do encontro. A ameaça da espera. O medo do adiar. A possibilidade da falta-presença. A urgência é profana, livre de racionalidade, presa apenas aos nãos explícitos ou nem tanto.
Preciso de ajuda urgente. Queria poder lavar-me e encontrar um bom varal para estender minh’alma ao sol. Dizem que o sol mata tudo, limpa, purifica. Minha alma anda tão amoral que não atrevo confessar aqui, ao menos não agora.
Entre o encontro e a espera, a urgência e a demora. Espero por ele como quem espera por um gole de água em pleno deserto. Esperar faz mal à saúde. O coração dispara num instante, quase para em outro. As mãos suadas, as pernas vacilantes, a boca seca. Parece doença. Talvez seja. Melhor tomar um banho para baixar a febre.
Uma mulher tem um jeito todo próprio de esperar. A gente não espera simplesmente. Há um ritual, um banho. Nesses dias nunca é só um banho. À flor da pele é como se a água fosse a própria Iemanjá. O contato da água na pele, o banho, os óleos, o perfume, o espelho. Cabelos lavados, a água ainda escorrendo feito rio até o chão.
Paraliso diante do espelho. Não te contei ainda, mas eu sei que você sabe que a urgência também nos paralisa. Quem é essa aí no espelho? Não me reconheço; desculpe, me vejo pela primeira vez, me reconheço. A lágrima quente molha o rosto que já estava seco e me faz lembrar que passou mais tempo do que eu supunha.
Corre! Terminado o ritual primeiro, vem o segundo. Visto-me de branco. Se a alma não está clara, que ao menos o vestido esteja. Branca é a cor ideal para qualquer enlace. Eu sou, neste momento, uma tela em branco gritando por tintas e pincéis de todos os tipos e cores. Que me venha o carnaval. Que venham cores, sons, sabores. Viva!
Mas ela, a demora, nos atrapalha. É como ser interrompida em pleno salto; como ser acordada no meio de um sonho bom. Não é justo e não deveria ser possível, mas é. A racionalidade é amiga-irmã da demora. E juntas nos fazem descer do céu e sentir o peso grave. Gravidade. Eu estava tão feliz, angustiada, mas feliz com a urgência.
Já estávamos nos dando bem. Conversamos, até tomamos um drinque juntas. Mas a racionalidade me diz que a espera é real e necessária. É momento de delicadeza. Sai a batucada e entra a orquestra para mostrar que é tempo de refinar os sentidos e os sentimentos. O profano da urgência dá lugar ao sagrado da espera.
Estou aqui há horas, muitas horas, dias, meses, anos à espera dele, que finalmente chegou. Chegou na quietude, chegou devagar, sem pressa. Tirou-me para dançar. Dançamos, deslizamos, nos olhamos, nos unimos, nos desmanchamos, nos construímos, nos lemos, nos acalmamos, saltamos juntos, desbravamos, dançamos, dançamos, dançamos…
Enfim, o amor, calmo e quente como um bom café. O açúcar e o afeto a gente acrescenta. Ou não.
(*) Escritora