As trapalhadas da Proclamação da República: corporativismo, fake news e traições
J. B. Pontes (*)
Inegável que D. Pedro II foi um governante culto, honrado, honesto e comprometido com os interesses do Brasil. E sensível à causa dos mais pobres, inclusive os escravos. Lutou, a despeito de uma classe política desqualificada e dos poderosos, pela grandeza do País, pela educação e pela igualdade social e econômica. Sua deposição por um golpe militar – a Proclamação da República – foi um ato injusto e covarde, marcado por corporativismo, traições e fake news, só justificado pela ânsia dos militares pelo poder político.
A família real sofria desgastes políticos desde 1870, fato agravado pelo descontentamento da aristocracia rural pela abolição da escravidão, equivocadamente atribuída à Princesa Izabel. É certo que os ideais republicanos excitavam o ânimo dos intelectuais e dos universitários. Ideais que, em verdade, nunca foram seguidos no Brasil.
A bravata de Ouro Preto
Segundo o historiador Paulo Rezzutti, tudo começou com atritos entre os militares e o governo, potencializados por uma bravata do então presidente do Conselho de Ministros, Visconde de Ouro Preto, a respeito do Marechal Deodoro, liderança militar que mais se insurgia contra os políticos: “… este prende-se e fuzila-se”.
O major Frederico Sólon, encarregado pelos republicanos, passou a espalhar boatos – fake news – de que Deodoro seria preso e que alguns corpos do Exército sediados no Rio de Janeiro seriam transferidos para outras províncias. A boataria chegou aos quartéis e três batalhões rebelaram-se em solidariedade ao Marechal. A rebelião, em princípio, objetivava somente a derrubada do Gabinete de Ministros. Ou seja, do governo, e não da monarquia.
Ouro Preto reuniu os ministros no Arsenal da Marinha para analisar a situação. Várias providências para conter a rebelião foram atribuídas ao Marechal Floriano Peixoto, que teoricamente estaria ao lado do governo. Este, no entanto, nada fez.
O Gabinete foi induzido a reunir-se no Quartel General do Exército, onde foi cercado pelas tropas rebeldes. Instado a reagir em defesa do governo, Floriano recusou-se. Ouro Preto teve que se render. As portas do QG foram, então, abertas aos militares rebelados. A esse respeito, disse Ouro Preto: “Fomos miseravelmente traídos. Chamaram-nos para esta ratoeira afim de que não pudéssemos organizar lá fora a resistência. Antes me houvessem matado!”.
O tiro no pé de D. Pedro II
Assim, em 15 de novembro de 1889, Deodoro, um monarquista admirador de D. Pedro II, subiu as escadas do QG do Exército dando vivas ao Imperador, declarando a derrubada do governo e a prisão dos Ministros.
Cientificado da situação por Ouro Preto, liberado para com ele conversar, Pedro II relutou em aceitá-la. Foi convencido, afinal, de que o golpe não tinha volta, e numa atitude impensada indicou Gaspar Silveira Martins para montar o novo gabinete. Um tiro no pé… Isso porque o gaúcho era inimigo de Deodoro, a quem havia acusado de crimes (não comprovados). Além disso, ambos disputaram o amor da Baronesa do Triunfo, Maria Adelaide de Andrade Neves Meireles, que acabou por preferir Silveira Martins.
Corporativismo, fake news e traições
Por isso, na noite de 15 de novembro, quando Deodoro soube da possível indicação do inimigo para primeiro-ministro, declarou proclamada a República. Seguiu-se o sítio ao Paço Imperial e a ordem do governo provisório para a família real deixar o País em 24 horas, motivada pelo medo de um contragolpe, que começava a ser articulado. A família real já estava na Europa quando recebeu a notícia do banimento.
Esta a origem e as motivações da nossa República: corporativismo, fake news e traições, assim como a sanha dos militares pelo mando político, elementos que persistem até hoje.
E o povo continua excluído da democracia…
(*) Geólogo, Advogado e Escritor