Orlando Pontes e Tácido Rodrigues
Afastado da vida pública desde 2018, por decisão pessoal, o médico e ex-governador do Acre Sebastião Viana mantém influência política por meio de suas convicções, do ensino, de ações voluntárias e da defesa da democracia. Nesta entrevista ao Brasília Capital, o hoje professor associado da Universidade de Brasília (UnB), fala sobre sua relação com o PT, critica o negacionismo climático, analisa o cenário político em seu estado natal e revela o que o levou a requisitar o título de Doutora Honoris Causa da UnB à ex-presidente Dilma Rousseff (PT), previsto para ser entregue no próximo dia 12 de dezembro. “Dilma simboliza coerência, resiliência e compromisso com a democracia”.
O senhor se dedica hoje principalmente à carreira acadêmica. Qual é sua atuação política? – Faço um trabalho vinculado aos meus ideais e à minha ética. Amo o ensino, porque vejo a felicidade interior do professor quando o aluno cresce. Acredito que a sala de aula constrói a carta que vamos enviar ao futuro. Minha militância, embora não seja partidária, continua viva. Atuo de forma voluntária no MST [Movimento dos Trabalhadores Sem Terra], em projetos de bioeconomia, agricultura regenerativa e defesa dos povos tradicionais. Também presto apoio à Igreja Católica em projetos sociais que atendem 1.500 crianças, e sigo na pesquisa em medicina tropical, atendendo populações amazônicas. Essa é minha vida hoje: ensino, solidariedade e família.
Como avalia o conceito do MST junto à sociedade brasileira? – O MST é alvo de muito preconceito. Mas, quando olhamos com seriedade, vemos um movimento com 10 milhões de hectares, 400 mil famílias e mais de 180 cooperativas, com produção expressiva e metas ambientais ambiciosas, como plantar 100 milhões de árvores.
O senhor segue ligado ao PT? – Sim. Esse vínculo é permanente. Tenho compromisso absoluto com o presidente Lula, com o movimento socialista e com a construção de um futuro mais justo. Quando deixei os mandatos, houve um distanciamento natural do partido. Reconheço que o PT, muitas vezes, age de maneira utilitarista. Cumpri minha missão e muitos se afastaram. Mas isso não me causa mágoa. O único que nunca se afastou foi o Rui Falcão. Apesar das limitações internas do partido, continuo com minhas convicções. Sou Lula na chuva e no sol, porque ele representa a esperança de quem mais precisa.
O senhor liderou, juntamente com a professora Fátima Sousa [superintendente do HUB], a homenagem da UnB à ex-presidente Dilma Rousseff. Como foi o processo? – A iniciativa nasceu da minha devoção à universidade como instituição que defende a democracia. A UnB tem uma história de coragem, enfrentou o chicote dos generais, resistiu ao autoritarismo e sempre foi um espaço de liberdade. Diante da onda de ódio recente, achei que a universidade precisava reafirmar seu compromisso. Dilma simboliza coerência, resiliência e compromisso com a democracia. Ela foi torturada, dedicou a vida ao ideal público e criou políticas estruturantes. A aprovação no Conselho Universitário foi emocionante. A UnB deu uma resposta histórica aos ataques contra a democracia e às injustiças cometidas durante o impeachment, que considero um golpe.
O Acre, estado que o senhor representou como governador e senador, vive denúncias envolvendo o governador Gladson Cameli (PP). Como vê isso? – Trabalhamos durante 20 anos para criar uma economia baseada na agrofloresta, valorizando povos tradicionais e tentando criar uma alternativa ao latifúndio predatório. Isso foi interrompido. O grupo que assumiu não tem, a meu ver, compromisso com valores democráticos nem com políticas estruturantes. Sobre as denúncias, prefiro deixar a Justiça julgar.
Dados mostram que o maior problema do estado hoje é o narcotráfico. A que atribui isso? – O Acre é vítima desse encarceramento da Amazônia pelo crime organizado. O narcotráfico tomou conta das fronteiras e ultrapassa a capacidade do Estado. Em 2017, alertei que estávamos próximos da Colômbia dos anos 1980. Hoje, estamos pior. Falta presença militar estratégica nas fronteiras e ação de inteligência.
O senhor tem pretensão de disputar algum cargo eletivo no ano que vem? – Não. Abandonei a função de mandato. Estarei lutando ao lado do presidente Lula e do nome progressista que surgir, mas não serei candidato. É hora de uma nova geração.
De onde virá essa renovação? – A revolução virá da periferia, da cultura, da música. Não será liderada pelos velhos doutores da aristocracia. Temos de ouvir a comunidade, como recomenda Xi Jinping no livro “Superar a Pobreza”, e romper com a chantagem sindical que domina decisões públicas, tanto de direita quanto de esquerda.
Já há um nome progressista no Acre para 2026? – Surge um nome especial: o do médico Thor Dantas, grande pesquisador e ex-candidato a deputado federal. Tomara que haja convergência em torno dele. Se não vencer agora, vencerá depois. O fundamental é manter viva a luta pelos valores da democracia, sufocados hoje pela roda-viva da desinformação e pela robotização das redes sociais.
Quanto ao rescaldo da COP30, como avalia a postura das grandes potências mundiais? – O negacionismo é brutal. Os Estados Unidos ainda tratam combustíveis fósseis como prioridade e não assumem responsabilidade diante do aquecimento global. O mundo vive um pêndulo político que foi à direita e agora tenta se equilibrar, mas não sabemos para onde vai. O aquecimento acima de 1,5 grau ameaça a humanidade. A onda neoliberal criou uma doença social baseada no egoísmo, que ignora o planeta e as futuras gerações. Ainda bem que temos figuras como Marina Silva e Lula, que defendem o meio ambiente e o compromisso ético. Mas falta liderança global com autoridade moral.