Chegamos ao limiar de uma mudança no perfil de propagação da pandemia do novo coronavírus no Distrito Federal. Até aqui, o recorde de registro de casos tem se mantido em áreas com características socioeconômicas mais favorecidas. Mas esse quadro está mudando rapidamente.
No início, o vírus se alastrava entre pessoas que contraíram a doença em viagens ao exterior ou conviviam com pessoas que o fizeram, o que indicava, grosso modo, que pertenciam à camada mais rica da sociedade. Plano Piloto, Lago Sul e Águas Claras concentravam o maior número de casos.
O boletim epidemiológico do dia 28 de maio mostra, claramente, a mudança: Plano Piloto e Ceilândia ocupavam, respectivamente, o primeiro e o segundo lugares no ranking das cidades do DF mais afetadas pela pandemia, com 799 e 797 casos. A evolução é violentamente mais rápida em Ceilândia.
Em 1º de maio, o Plano Piloto, concentrava 231 casos e teve um aumento de 346%, saltando para 799 contaminados. Ceilândia, que tinha 72 casos no primeiro dia do mês, pulou para 797 – um aumento vertiginoso de 1.107%. A Estrutural, que tinha 14 casos, passou para 124 – uma explosão de 886%.
Os aspectos ambientais e demográficos no desenvolvimento da pandemia (que estão sendo objeto de uma série de estudos), começam a mostrar seu peso relativo. O Plano Piloto tem grande densidade habitacional, com predominância de habitações em prédios coletivos verticais. Ceilândia tem grande densidade populacional, com mais unidades habitacionais individuais – é uma cidade horizontal.
O que muda e vai ter cada vez mais peso agora é o que se chama “qualidade de vida”, que se reflete na taxa de saneamento básico, no acesso a serviços de saúde, na qualidade de transporte e na poluição, entre outros aspectos.
Aí, Ceilândia, que concentra os números do Sol Nascente, onde o saneamento é o mais deficitário do DF, leva imensa desvantagem. Isso já se observa na quantidade de óbitos ocorridos por covid-19: no Plano Piloto, foram oito; em Ceilândia, 29.
Cidade Estrutural e Vicente Pires, que enfrentam problemas graves por falta de saneamento básico, também podem vir a sofrer um aumento mais acelerado do número de casos de contaminação do que outras localidades, agora que a seca começa a se fazer sentir e que as nuvens de poeira começam a se elevar.
Diante desse quadro, mostra-se mais uma vez a necessidade de uma política de saneamento básico alinhada com a política de promoção de saúde e qualidade de vida: coibir a ocupação irregular dos vazios urbanos, a nociva grilagem é um dos aspectos.
Nas políticas habitacionais, também é indispensável planejar e executar, concomitantemente à construção de prédios residenciais, os projetos de urbanização, com asfaltamento e redes de abastecimento de água, coleta de esgotos e de resíduos sólidos.
Agora, pensa-se em lidar com a situação da pandemia construindo um novo hospital de campanha em um terreno baldio em Ceilândia, na entrada de Sol Nascente. Para o futuro, precisamos de ter clara a visão de que a promoção da saúde tem de estar no centro das discussões políticas e dos projetos de governo e que os investimentos têm de ser sólidos e visando o longo prazo para serem efetivos e garantirem saúde e qualidade de vida à população.