J. B. Pontes (*)
O atual Distrito Federal foi criado pela lei 2.874/56 para abrigar a sede do governo federal. Portanto, trata-se de uma unidade federativa instituída com finalidade específica e, por esse motivo, tem características peculiares e distintas dos estados brasileiros.
Os prefeitos do DF que, a partir de 1969, passaram a ser denominados de governadores, eram indicados pelo Presidente da República. E assim foi administrado o Distrito Federal até a promulgação da Constituição de 1988, quando o chefe do Executivo local passou a ser eleito e foi criada a Câmara Legislativa. Apesar disso, o DF continuou sendo uma unidade da federação diferenciada. Por exemplo, a sua organização foi promovida por uma Lei Orgânica e não por uma Constituição como ocorreu com os estados.
A nova forma de organização e administração do DF promovida pela Constituição de 1988 pode ter contribuído para possibilitar os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando radicais bolsonaristas invadiram, depredaram e assaltaram as sedes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
A omissão e falhas de atuação das forças de segurança do DF sem dúvida contribuíram ou facilitaram a invasão, depredação e assalto aos prédios públicos. Registre-se que, naquele momento, o governador Ibaneis Rocha, vinculado a um partido de oposição ao Presidente da República, apesar das ponderações de muitos, indicou para secretário de Segurança Pública o ex-ministro do governo anterior, Anderson Torres, um bolsonarista raiz.
Vejamos o contrassenso que a situação escancarou e que demonstra que o constituinte de 1988 pode ter cometido equívoco ao alterar a forma de organização e administração do Distrito Federal. As seguintes disposições constitucionais mostram claramente que a segurança pública do DF foi inicialmente idealizada como subordinada à Presidência da República.
O artigo 21/XIV da Constituição estabeleceu a competência da União para “organizar e manter a Polícia Civil, a Polícia Penal, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal”, o que foi confirmado pelo § 4º do artigo 32, que dispõe que: “lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, da Polícia Civil, da Polícia Penal, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar”. A inteligência desses dispositivos não permite outro entendimento: as forças de segurança do DF estavam subordinadas ao Presidente da República.
No entanto, contraditoriamente, o § 6º do artigo 144 da CF 88 estabeleceu que: “As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos governadores dos estados, do Distrito Federal e dos Territórios”.
A expressão “e distrital” e a parte final deste dispositivo (…do Distrito Federal e dos Territórios) pode ter ocorrido por engano, por má-fé ou por imposição de alguns parlamentares. Se proposital, esqueceram-se de alterar a redação dos artigos 21 e 32, pelo que a CF 1988, na parte relativa a essa matéria, ficou “um samba do crioulo doido”.
Por esse lamentável equívoco (?), as forças do segurança do DF passaram, assim, a serem subordinadas ao governador. Mas continuaram a ser mantidas (custeadas) pela União. Ou seja, quem paga a conta não tem nenhuma ingerência no comando dessas forças, situação que afronta a lógica. E o resultado disso, assistimos no dia 8 de janeiro.
Importante registrar-se que a União mantém ainda o Poder Judiciário e o Ministério Público do DF, além de custear, por meio do FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal), as polícias Civil, Penal, Militar e o Corpo de Bombeiros Militar, a Saúde Pública e a Educação.
Em 2023, o FCDF alcançou o montante de R$ 22,96 bilhões: Segurança Pública, R$ 10,19 bilhões; Saúde, R$ 7,14 bilhões; e Educação, R$ 5,63 bilhões. O orçamento do GDF para 2023 é de R$ 57,35 bilhões, sendo a contribuição do FCDF, portanto, quarenta por cento dele.
Por tudo isso, fica claro que o DF é uma unidade federativa diferenciada, criada com destinação específica de ser a sede do governo central e que, nessa condição, é difícil aceitar-se que esse território seja administrado por um governador de oposição.
Neste momento, o ministro da Justiça e Segurança Pública está idealizando alternativas que previnam a ocorrência futura de novos atos golpistas. Uma das propostas seria a criação de uma guarda nacional para proteger a Esplanada dos Ministérios.
É preciso ponderar-se, no entanto, que para essa finalidade já existem a PMDF, o Batalhão da Guarda Presidencial, além das polícias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Assim, será muito difícil a criação de um novo ente com esse objetivo sem alterar substancialmente os que já existem. Quem sabe, rever a forma de organização e administração do DF, voltando a ser uma unidade vinculada à União, não seria a melhor e menos onerosa solução?
(*) Geólogo, advogado e escritor