No dia 25 de fevereiro, a imprensa local noticiou a expansão da rede privada de hospitais em Brasília, cravada bem no coração dos Poderes da República. A repercussão? A conivência, indiferença, o silêncio dos túmulos. Para sair desse lugar comum, precisamos informar à população as razões pelas quais os empresários do complexo médico-industrial cobiçam tanto o DF e seu Entorno.
Eles vêem na Capital o desmonte do SUS, orquestrado pelos desgovernos, indutores dos chamados “investimentos”. Investimento seria se Estado e governos assumissem que a saúde é fundamental para o bem-estar da sociedade, e que esta deve ser tratada como o bem mais elevado do direito à cidadania.
O setor privado sempre almejou enriquecer às custas das doenças societárias e biológicas. Essa história não é de hoje. Na XIII Conferência Nacional de Saúde, eles se retiraram do plenário nos provocando a reencontrá-los no Congresso Nacional. Afinal, lá se encontravam e se encontram, até hoje, seus financiados, com raríssimas e honrosas exceções.
Assim, o “Centrão” cravou na aorta do Sistema Único de Saúde (SUS), no artigo 199 da Constituição de 1988 que “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada”. Em nome desse artigo, esquecem que sua participação deve ser de forma complementar, não suplementar, onde a preferência é das entidades filantrópicas e sem fins lucrativos. E mais: cabendo ao Estado sua regulação.
Trinta anos depois, o Estado segue descuidando de sua missão de promover a defesa do interesse público, apesar da criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), pela Lei no 9.961 de 2000, vinculada ao Ministério da Saúde, cuja responsabilidade era instituir normas ao controle e fiscalização de segmentos de mercado explorados por empresas do setor.
Diz ainda o referido artigo, no parágrafo 3º, que é vetada a entrada no País de empresas de capital estrangeiro.O governo Dilma sancionou o artigo 143 da Medida Provisória 656/2014, abrindo o livre comércio.Para oConselho de Administração da Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP), uma oportunidade de formar grandes monopólios de hospitais e outras empresas a eles vinculados, para os serviços de apoio diagnóstico.
E ainda, que o crescimento populacional e os altos salários dos “donos” dos poderes são veias abertas à pujança dos seus investimentos, cujo retorno, certamente, já está garantido pelos fundos de mercados financeiros, incentivos e renúncias fiscais, concedidos pelos governos, que tiram o dinheiro do SUS para beneficiar grupos empresariais dos seguros e planos de saúde.
Planos que a população nutre a ilusão que tudo vão resolver. Esquece que muitos estão vinculados ao mundo do trabalho e que, com a Reforma Trabalhista, verão seus empregos desmancharem no ar, submetendo-se às formas mais perversas de precarização. E pasmem, promovida pelos governos em nome do Estado, que transfere sua responsabilidade de proteger a saúde da população para o privado.
Faz isso em nome da ampliação do acesso, redução de custo, tecnologias de ponta, geração de empregos, abertura de leitos (que os governos fecham para ampliar o mercado), fim das filas de espera, bons médicos, e, principalmente, qualidade do atendimento com serviços premium de hotel seis estrelas. Para assegurar que nenhum risco financeiro ocorra, é preciso que a ANAHP destine, na bancada do seu Conselho de Administração, assento para um representante do mercado mais próspero das doenças e seus lucros, o DF e o Centro-Oeste.
Frente a este cenário, o coração do SUS para de bombear o sangue, pela falta de um financiamento seguro e sustentável para que sigamos cuidando desde a água de beber, vacinação, até os altos procedimentos cirúrgicos. Cambaleando em praça pública, é assim que a grande mídia o coloca. Não mostra o SUS que dá certo, apesar daqueles governos que não o priorizam. Mesmo assim, o sistema fez e faz muito, com limitados recursos das mais diferentes naturezas.
Por um lado, a cumplicidade dos governantes alia-se à indiferença das corporações e suas entidades representativas, deixando espaço para propostas fora de rota. Hospital para os servidores é uma declaração que os “hospitais em que trabalhamos não nos servem”. Por outro, representantes do “povo” não deviam se calar. Ao contrário, pois deles esperamos a defesa incondicional do SUS como a mais justa e ambiciosa política pública brasileira.
As terceirizações da saúde e a crescente expansão do setor privado constituem um câncer que alimenta a corrupção na administração pública, facilitando a dispersão em larga escala do erário que deveria financiar o atendimento da população. Tais terceirizações deveriam gerar profunda indignação e imediata reação em todas as pessoas que se preocupam com a vida e com a dignidade humana.
(*) Professora da UnB