Filomena Madeira
De “paladino da Justiça” a possível senador cassado. A Lei do Retorno, que independe da vontade dos homens e – talvez por isso mesmo – uma das poucas que funcionam no Brasil, parece estar próxima de atingir o ex-juiz Sergio Moro.
Desde maio, quando o então deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) teve a cassação de mandato referendada por unanimidade pelo Tribunal Superior Eleitoral, o senador do União Brasil passou a temer cair na mesma cova rasa onde foi parar seu aliado de Lava Jato.
Os ex-parceiros atuaram juntos na operação que prendeu injustamente o presidente Lula em 2018 e foram alçados à condição de parlamentares quatro anos depois. Mas deu ruim. Se os escolhidos da República de Curitiba pensaram que viveriam um conto de fadas na política, o enredo descambou para filme de terror – ou comédia romântica, a depender do ponto de vista.
Desde junho, Moro enfrenta duas ações, unificadas pelo Tribunal Regional do Paraná. Ambas têm teor semelhante e envolvem acusações de abuso de poder econômico e suspeita de “caixa 2” em sua campanha ao Senado. Uma é movida pela federação partidária PT-PV-PCdoB e outra é de autoria do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Amigo da onça – Por ironia do destino, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública apoiou a candidatura do “Capitão Fake”, inclusive o assessorando em debates durante a campanha do ano passado.
Porém, como verdadeiro “amigo da onça”, o partido de Valdemar Costa Neto já deixou claro que seu verdadeiro interesse é tomar a vaga de Moro e beneficiar o bolsonarista Paulo Martins (PL-PR), que recebeu pouco mais de 29% dos votos. A estratégia do PL é que Martins assuma o cargo interinamente, o que é rechaçado por juristas e pela própria lei eleitoral.
Pelo rito, em caso de cassação de mandato de um senador, está prevista a convocação de eleições suplementares no respectivo estado, mesmo que recursos pendentes em instâncias superiores ainda estejam em análise – como ocorreu com a também juíza Selma Arruda (MT), em 2019, cassada pelos mesmos crimes dos quais Moro é acusado.
Abuso – Nas ações sob relatoria do desembargador Dartagnan Serpa Sá, a federação PT-PV-PCdoB e o PL alegam que a prestação final de contas da campanha de Moro é fantasiosa, já que não inclui os gastos do Podemos durante sua decadente pré-campanha à Presidência.
Antes de se filiar ao União Brasil e lançar-se candidato ao Senado, a antiga legenda do ex-magistrado teria gasto cerca de R$ 2 milhões. Segundo as regras do TSE, uma campanha ao Senado no Paraná não poderia ultrapassar os R$ 4,4 milhões.
É justamente por esta diferença de recursos declarados à Justiça Eleitoral, por consequência o suposto abuso de poder econômico, que os adversários pedem a cassação de Moro, por “desequilíbrio entre os candidatos que não tiveram a mesma estrutura e exposição de uma pré-campanha presidencial”.
Moro rechaçou publicamente qualquer irregularidade. Em dezembro, quando a ação foi protocolada pelo PL, ele disse que os adversários tentavam mudar o resultado no “tapetão”.
Urubus na carniça
O “defunto” ainda nem esfriou e urubus da política paranaense já cercam a “carniça”, sonhando com a cadeira de Moro no Senado. Além de Martins, Álvaro Dias (Podemos), Ricardo Barros (PP) – ex-ministro e ex-líder do governo Bolsonaro –, Gleise Hoffmann, Zeca Dirceu e o clã Requião, todos membros do PT, surgem como potenciais candidatos.
É questão de tempo para que um dos personagens mais controversos da história brasileira preste contas com à Justiça. Logo ela que por tanto tempo foi manipulada e distorcida apenas para catapultar a fama de um julgador com sede de poder.