Catapultado ao protagonismo da cena política no dia 4 de março pela Operação Aletheia, 24ª etapa da Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reacendeu a militância petista e os movimentos sociais, até então encurralados pelas gigantescas manifestações contrárias ao governo e favoráveis ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. No dia que foi conduzido a depor coercitivamente à Polícia Federal, ele declarou: “tentaram matar a Jararaca, mas acertaram no rabo, e não na cabeça. E a Jararaca está viva”.
Os fatos dos últimos dias confirmaram o vaticínio de Lula e a sabedoria popular, segundo a qual “em ninho de cobra não nascem menos de trinta”. No dia 18 de março 1,3 milhões brasileiros (segundo os organizadores) instigados pela Jararaca foi às ruas hipotecar apoio a Dilma. Mesmo com o marqueteiro oficial da presidente fora do circuito – João Santana está preso desde o dia 22 de fevereiro , quando foi deflagrada a Operação Acarajé, a 23ª da Lava Jato – Lula cunhou o bordão “não vai ter golpe”, que virou o grito de guerra nas ruas e o mote de todos os discursos da própria Dilma.
Nomeado ministro da Casa Civil no dia 16 de março, Lula ainda não assumiu. Sua posse foi questionada por diversas ações e a decisão final será do Supremo Tribunal Federal, após parecer do ministro Gilmar Mendes, relator do processo. Mas o petista já carimbou algumas pequenas vitórias, como a decisão do ministro Teori Zavaski tirando das mãos do juiz Sérgio Moro qualquer decisão sobre o envolvimento de Lula nas investigações da Polícia Federal e do Ministério Público.
Sem a caneta de ministro mas com a lábia de sempre, Lula praticamente voltou a morar em Brasília. Despacha informalmente no Palácio do Planalto, mas recebe políticos e amigos no hotel em que está hospedado à margem do Lago Paranoá. Montou um gabinete de crise cujo núcleo duro é formado pelo ministro-chefe do Gabinete Pessoal da Presidência da República, Jaques Wagner (PT), pelo ex-governador Ciro Gomes (PDT-CE) e pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR).
As manobras nos bastidores se refletem no andamento dos debates no Congresso e na Esplanada dos Ministérios. Na terça-feira (29), o PMDB, capitaneado pelo vice-presidente Michel Temer anunciou, por intermédio do senador ventríloquo Romero Jucá (RR), o desembarque do governo. Mas, faltou combinar com os russos. Dos seis ministros da legenda, cinco anunciaram que entregariam seus cargos. Apenas Kátia Abreu, amiga pessoal da presidente, manifestou disposição de, inclusive, sair do partido, para continuar no governo. Mas até a sexta-feira (1º) nenhum deles havia entregado o cargo.
A permanência dos peemedebistas, de certa forma, atrapalha o governo. Afinal, eles ocupam alguns dos cargos mais importantes da máquina pública federal sem dar à presidente a garantia de que assegurarão o apoio de que ela precisa na Câmara dos Deputados para escapar do impeachment. A estratégia de Lula encampada por Dilma é redistribuir os ministérios para legendas menores, como o PP, o PR e o PTB, além de algumas do baixo clero que têm apenas um ou dois representantes no Congresso. A manobra ganhou o apelido de “varejão do Planalto” e ela já foi posta em prática.
Enquanto isso, a tropa de choque do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tenta acelerar o trâmite do processo. Na comissão especial do impeachment, o presidente Rogério Rosso (PSD-DF) e o relator Jovair Arantes (PTB-GO) não dão trégua. Enquanto Cunha marca sessões diárias no plenário, Rosso realiza encontros de segunda a sexta-feira na comissão. Com isso, eles esperam levar a plenário ainda em abril a votação que pode decidir pelo afastamento de Dilma.
O tom da reação do governo voltou a subir na quinta-feira (31). Convocados pelo PT, Central Única dos Trabalhadores (CUT) e movimentos sociais, mais de 800 mil pessoas voltaram às ruas em 75 cidades de todas as unidades da Federação para defender a permanência de Dilma no Planalto. Em Brasília, os organizadores estimaram em 200 mil o número de participantes. Mas eles também saíram em grande número em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre e outras grandes metrópoles do interior.
Na mesma quinta-feira, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa e o professor Ricardo Lodi fizeram a defesa da presidente na comissão do impeachment. Eles rebateram ponto a ponto as acusações feitas na véspera pelos autores do pedido de afastamento da presidente, os advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Junior e Janaína Conceição Paschoal.
Na quarta-feira (6) será realizada a décima reunião da comissão presidida por Rogério Rosso, concluindo o mínimo previsto pelo STF no rito do impeachment. Depois, serão contadas mais cinco sessões para que a matéria seja levada a plenário. Ali, para que o impeachment avance para apreciação do Senado, serão necessários os votos de pelo menos 342 deputados. A missão de Lula e de seu núcleo duro é assegurar no mínimo 172 votos (um terço mais um) a favor da presidente, ou que este número de parlamentares não compareça à sessão.
Até lá, os apoiadores do governo seguirão desqualificando o pedido de impeachment e questionando a legitimidade de Temer assumir a presidência para implantar um plano de governo próprio. “É absolutamente ilegítima essa movimentação. O vice-presidente não foi votado para colocar em prática o programa que ele está propondo. Essa Ponte Para o Futuro não foi aprovada nas urnas e sequer foi discutida pela população. É um programa que vai arrochar a vida do brasileiro, mudar a legislação trabalhista e previdenciária, desvincular o salário mínimo das aposentadorias e alterar a lei do Petróleo, permitindo que as multinacionais explorem e fiquem com o petróleo do Pré-Sal”, disse o deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
E ele completa: “é o chamado golpe. Não é porque o processo não é legal. E, sim, porque o conteúdo, que seria o chamado crime de responsabilidade da presidente Dilma, não ocorreu. Para Zarattini, o que existe é uma disputa na sociedade: de um lado os que perderam nas urnas, que insistem e conseguem fazer mobilizações, e do outro uma grande mobilização de trabalhadores, intelectuais, artistas, advogados contrários ao impeachment”.
Em apenas 27 dias, a Jararaca provou que não morreu. Muito pelo contrário. Está viva e procriando.
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