Novas tecnologias da informação tornam instantânea a desinformação em escala. A avalanche de compartilhamentos em massa da mesma informação e sua replicação em redes sociais como o Facebook criam o viés de confirmação para que grandes grupos, com afinidade ideológica com o conteúdo disseminado, se convençam e militem por contextos pré-fabricados por bots e táticas de enviesamento de percepções, produto de maior sucesso de vendas pelas plataformas digitais.
A bola da vez são as manifestações marcadas para o dia 15 de março contra o Congresso e o STF. Uma sucessão de estímulos foi enviada pelo governo: Declarações polêmicas de ministros, como o general Augusto Heleno e Paulo Guedes, compartilhamento de vídeo convocatório à manifestação diretamente pelo WhatsApp do presidente Jair Bolsonaro.
O outro lado não deixou por menos: Lula se reuniu com o Papa e publicizou extensa agenda progressista. Teve senador avançando com retroescavadeira contra policiais em motim e levando dois tiros, escolas de samba com enredos críticos ao governo e uma série de outros embates ideológicos que temperam o caldo da desinformação.
É nítido que a dinâmica do embate é o que sustentará este governo, caso ele chegue até o fim. E Bolsonaro não só sabe disso, como se aperfeiçoa diariamente na personagem com o apoio de sua assessoria técnica. Talvez ele queira realmente, lá pro fim do ano, a ameaça de um impeachment esvaziado, tal qual teve Donald Trump nos EUA, para alimentar ainda mais o seu polo ideológico e tentar monopolizar a mídia, cooptar o protagonismo da jornada do herói e garantir sua reeleição sem a necessidade do acaso de uma nova facada.
Bolsonaro quer uma Era pra chamar de sua, não somente uma reeleição. Pela primeira vez em nossa História, declarar objetivamente que a luta é pelo poder, e não dissimular verbalmente que é pelo bem geral do País, se tornou algo socialmente aceito e publicamente defendido. O importante, das cadeiras almofadadas do Congresso às cadeiras de lata enferrujadas dos botecos da periferia, é vencer no argumento.
Não importa o tema – seja banal ou essencial, seja sobre não fazer cocô todo dia e se abster de sexo, seja sobre atentar contra direitos fundamentais e transgredir, a olhos nus, a Constituição. Tudo pauta a grande mídia e retroalimenta a polarização de opiniões e percepções nas redes e nas ruas. E por falar em grande mídia, ela continua tendo papel de protagonismo nesta dinâmica. É equivocado pensar que ela é agendada pelas mídias digitais.
As redes sociais e seus usuários, de fato, ainda não produzem nada de relevante no Brasil, com exceção de alguns canais de streaming. Apenas comentam, editam e versionam o que sai na TV, jornais e grandes portais de notícias. Essas plataformas aglutinam públicos com percepções similares, e assim criam grupos de discussão e polarização para vender sua audiência segmentada para conglomerados do varejo oferecerem mais facilmente seus produtos e serviços. É preciso manter a audiência ativa a todo custo. Faz parte do negócio.
É o mesmo negócio da TV. Apenas mudou a plataforma. Manipular a comunicação e polarizar a governabilidade significam dinheiro e poder. Criar ecossistemas de significação e sistemas robustos de disseminação de conteúdos têm sido o êxito da nova forma de coalizão política pelo mundo, e no Brasil isso tem sido aprimorado.
Se ontem a dinâmica da governabilidade era negociar com deputados e senadores verbas, emendas, ministérios e cargos, hoje o que se coloca na mesa é a ameaça da máquina governamental em promover o escárnio público de congressistas como moeda de troca pela permanência não turbulenta no poder. O presidencialismo de coalizão agora é o embate.
A chantagem e a ameaça, no entanto, são armas disponíveis para ambos os lados. Só nos resta saber até quando os polos opostos do poder aceitarão jogar este jogo. Tenho um palpite: Até quando a economia, tão tímida em seus passos recentes, se retrair mais uma vez, tal qual foi com Dilma. Afinal, não há amor – nem histeria coletiva – que resista ao prejuízo do mercado.