Como previsível, os recursos do orçamento secreto, das emendas parlamentares e do orçamento dos órgãos do Poder Executivo comandados por afilhados dos parlamentares do Centrão são aplicados sem nenhum critério técnico e sem levar em conta as prioridades dos municípios.
Analisa-se que a aplicação desses recursos, sob orientação de parlamentares do referido grupo, devem atender apenas a dois critérios: possibilitar a visibilidade política dos parlamentares que patrocinam os recursos; e permitir o retorno de parte dos recursos para os próprios bolsos, por meio da conhecida prática: jogá-los pela porta, por meio de licitações fraudadas, e pegar parte deles pela janela, para ampliar os seus patrimônios privados.
O governo Lula entrou com tudo no jogo do toma-lá-dá-cá para construir uma base política instável no Congresso. Mas não deveria esquecer o que aconteceu nos governos anteriores do PT, quando toleraram as atividades espúrias dos integrantes do antigo PMDB durante 13 anos. No final, eles saíram do governo acusando o PT de corrupto.
Uma pequena cidade do interior do Ceará, situada em pleno sertão, distante cerca de 300 km da capital, que chamaremos aqui de Boa Esperança (**), teve a felicidade (ou má sorte?) de ter um seu filho eleito para Deputado Federal. Integrante do chamado Centrão, composto por parlamentares sem nenhuma ideologia, interessados unicamente na obtenção de vantagens e benefícios financeiros, ele procura sempre estar ao lado daqueles que estão com a “caneta na mão”. Ainda que destituído das condições morais e intelectuais para o exercício de tão importante cargo, ele é muito “esperto” e está desenvolvendo um projeto pessoal de poder e de acumulação de riqueza, com o uso de recursos públicos.
Na gestão de Bolsonaro conseguiu aportar ao Ceará uma enorme quantidade de recursos, provenientes de suas emendas e do orçamento secreto, os quais foram aplicados em seu proveito. Assim, nas eleições municipais de 2020, conseguiu colocar vários aliados nas prefeituras do Estado, elegendo inclusive sua esposa para Prefeita de sua cidade natal.
No primeiro turno das eleições de 2022, com a força dos recursos públicos que lhe foram disponibilizados, comprou apoios políticos e conseguiu reeleger-se com uma votação expressiva. Ciente da preferência do eleitorado do Ceará por Lula traiu Bolsonaro, afirmando-se independente e não fazendo campanha para ele. No segundo turno, após ter sido repreendido por Bolsonaro e seus aliados, ele e a prefeita fizeram, sem grande êxito, uma campanha agressiva de aliciamento de eleitores e compra de votos em favor de Bolsonaro.
Na votação da última reforma tributária na Câmara, apesar de integrante de partido da oposição, votou a favor da proposta do governo Lula. Para isso, apregoa-se que foi beneficiado com a liberação de cerca de R$ 50 milhões, proveniente de emendas (individual, de bancada e valores remanescentes do orçamento secreto), inclusive de anos anteriores.
Em Boa Esperança, a principal obra do deputado em foco, foi a construção de uma arena para a realização de shows musicais, composta pelo palco, por uma ala de camarotes, destinada as autoridades locais e seus convidados e um grande pátio a céu aberto e sem assentos, para os pobres.
O clero da cidade mantém uma tradição secular de promover, no período de 06 a 15 de agosto de cada ano, os festejos em homenagem a Nossa Senhora, Padroeira da Paróquia. Nos últimos anos, os governantes locais têm promovido paralelamente shows com cantores sertanejos e similares, sob a denominação de “Festeja, Nova Esperança”, tudo pago com recursos públicos.
Este ano o evento contou com a presença de Wesley Safadão, Leo Santana, Taty Girl e tantos outros. A justificativa falaciosa é que esse evento incrementa o comércio e outras atividades na cidade, o que geraria mais renda para o governo local, por meio da arrecadação de impostos. Na realidade, despendem-se milhões no pagamento das bandas musicais e arrecadam-se alguns milhares de reais a mais de impostos.
As autoridades religiosas locais ressentem-se da concorrência desses eventos com os festejos religiosos, temerosos de que eles alterem uma tradição de mais de um século. Ao que tudo indica, a Prefeita e o Deputado pretendem, de fato, ampliar a arena e os shows, o que certamente acarretará uma mudança da “festa de agosto”, de um evento religioso para um evento festivo, com músicas de qualidade questionável e que nada tem a ver com as tradições nordestinas, mas que atraem o público jovem.
A população mais consciente da cidade pergunta: por que não promovem esse evento musical em outra data? E lamenta que, com tantos recursos públicos federais (ou seja, de todos nós) sendo aportado, não sejam aplicados em serviços públicos essenciais (saúde, educação, segurança) e em obras prioritárias. Citam-se, por exemplo, as seguintes:
– O saneamento do Rio Curtume, que atravessa toda a cidade e se encontra extremamente poluído, promovendo a canalização do seu leito e a urbanização de suas margens;
– A execução de um anel viário, com objetivo de retirar das ruas centrais da cidade o tráfego de veículos que se destinam aos municípios vizinhos;
– A revitalização das instalações da antiga Estação Ferroviária, concedidas pelo IPHAN para uso do governo municipal, transformando-as em espaço de uso coletivo; e
– A construção de uma sede para a biblioteca pública. O acervo bibliográfico encontra-se, desde longo tempo, amontoado e não disponibilizado à sociedade.
Tudo isso indica, de forma inequívoca, o desapreço dos atuais administradores públicos pela cultura, pela educação e a saúde, bem como a falta de respeito às tradições da cidade, situação que deve repetir-se em outras regiões. É a continuidade da destruição de tudo pelo bolsonarismo.