Luydi Riera (*)
O sistema eleitoral dos Estados Unidos, uma das democracias mais antigas do mundo, surgiu no final do século XVIII e é marcado por peculiaridades que ainda hoje surpreendem a muitos. Ao mesmo tempo, o Brasil, cuja democracia é mais jovem e passou por diversas transformações ao longo de sua história, adotou um modelo de voto direto mais familiar aos cidadãos. A comparação entre os dois sistemas revela não apenas diferenças estruturais, mas também como a história e os contextos políticos influenciaram essas escolhas.
Em 1787, os EUA deram o primeiro passo para consolidar seu sistema eleitoral, com a criação da Constituição. À época, os “Pais Fundadores” se viram diante de um dilema: como escolher o líder do Executivo de forma justa e representativa, evitando tanto uma eleição direta por medo da “tirania da maioria”, quanto a concentração de poder no Congresso? A solução encontrada foi o Colégio Eleitoral.
Nesse modelo, os eleitores americanos, na prática, não escolhem diretamente o presidente. Eles votam em delegados que têm a responsabilidade de eleger o chefe do Executivo. Esse sistema foi criado como um mecanismo de equilíbrio entre os interesses dos estados maiores e menores, oferecendo uma distribuição de poder entre as unidades da federação.
Com o passar dos anos, o bipartidarismo consolidou-se nos EUA, com os partidos Democrata e Republicano se tornando as principais forças políticas. Além disso, o sistema eleitoral é descentralizado – cada estado tem grande autonomia para organizar as eleições e definir suas regras.
O modelo brasileiro e suas transformações
No Brasil, a história eleitoral seguiu outro caminho. A primeira fase republicana trouxe eleições baseadas em modelos europeus, mas foi com a Constituição de 1988 que o país solidificou o sistema democrático atual.
Um dos aspectos mais marcantes é o voto direto para presidente, em que os eleitores escolhem seu líder máximo por meio de uma votação em dois turnos, caso nenhum candidato consiga mais de 50% dos votos no primeiro turno.
Outro ponto de destaque é a Justiça Eleitoral, responsável por organizar e supervisionar as eleições em todo o país. Essa centralização garante maior uniformidade no processo eleitoral, diferentemente dos EUA, onde a responsabilidade recai sobre os estados.
O Brasil também se diferencia ao adotar o sistema proporcional de lista aberta para as eleições legislativas, em que os eleitores votam em partidos ou candidatos, e as cadeiras no Congresso são distribuídas proporcionalmente aos votos recebidos pelos partidos. Nos EUA, o sistema é majoritário distrital: o candidato que obtém a maioria dos votos em um distrito leva a cadeira.
Comparação e singularidades
A principal diferença entre os dois sistemas está no modo como o presidente é eleito. Nos EUA, o Colégio Eleitoral pode eleger um presidente que não recebeu a maioria do voto popular, como aconteceu nas eleições de 2000 e 2016. Já no Brasil, o sistema de voto direto faz com que o presidente eleito sempre obtenha a maioria dos votos válidos, especialmente com a garantia de um segundo turno.
Outra distinção é a organização eleitoral. Enquanto nos EUA o processo é fragmentado, com diferentes regras de registro e votação em cada estado, no Brasil a Justiça Eleitoral centraliza o processo, garantindo mais uniformidade na condução das eleições.
Por fim, o cenário partidário é outro ponto de contraste. Nos EUA, a polarização entre dois grandes partidos marca o ambiente político há séculos, enquanto no Brasil o sistema multipartidário permite uma maior diversidade de siglas, o que, muitas vezes resulta em coligações e governos mais fragmentados.
Caminhos históricos distintos
Ambos os sistemas refletem as particularidades da história de cada país. O modelo americano foi desenhado em um momento de formação de uma república federal, com o objetivo de balancear poderes entre estados.
Já o Brasil, com uma história marcada por ciclos de ditaduras e crises políticas, estruturou um sistema democrático mais voltado ao voto direto e à representatividade popular, com a centralização da organização eleitoral como um mecanismo de fortalecimento da transparência.
Essas diferenças ilustram não apenas as formas distintas de governar, mas também como cada país responde às demandas de suas sociedades por representatividade e estabilidade democrática. Enquanto os EUA preservam um sistema que busca equilibrar estados e regiões, o Brasil aposta na ampliação da participação popular direta para a escolha de seus líderes.
E se nós adotássemos o modelo americano?
Vamos admitir a hipótese de que o Brasil tenha 513 delegados (igual ao número de deputados federais) distribuídos entre os estados proporcionalmente à população. A tabela mostra a distribuição de delegados e os vencedores do segundo turno da eleição de 2022 em cada estado: ESTADO VENCEDOR (2º TURNO) DELEGADOS São Paulo Bolsonaro 78 Minas Gerais Lula 56 Rio de Janeiro Bolsonaro 42 Bahia Lula 34 Rio Grande do Sul Bolsonaro 31 Paraná Bolsonaro 30 Pernambuco Lula 24 Ceará Lula 23 Goiás Bolsonaro 18 Maranhão Lula 18 Pará Lula 17 Santa Catarina Bolsonaro 18 Espírito Santo Bolsonaro 11 Distrito Federal Bolsonaro 10 Paraíba Lula 10 Alagoas Lula 9 Amazonas Lula 9 Mato Grosso Bolsonaro 9 Mato Grosso do Sul Bolsonaro 9 Piauí Lula 9 Rio Grande do Norte Lula 9 Rondônia Bolsonaro 9 Sergipe Lula 9 Tocantins Lula 9 Acre Bolsonaro 4 Amapá Bolsonaro 4 Roraima Bolsonaro 4
Agora, somamos os delegados de cada candidato com base nos estados em que eles venceram, Lula seria vitorioso em Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins, com um total de delegados: 236 delegados
Bolsonaro ganhou no Acre, Amapá, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina e São Paulo, totalizando 277 delegados.
Conclusão – Se o Brasil seguisse um sistema de delegados, baseado no modelo dos Estados Unidos, Bolsonaro seria o vencedor da eleição de 2022. Isso mostra que, mesmo que Lula tenha vencido em estados importantes, como Minas Gerais, e a maioria dos estados do Nordeste, Bolsonaro venceria por causa de estados com maior peso de delegados, como São Paulo (78 delegados) e Rio de Janeiro (42 delegados), além de sua forte performance no Sul e no Centro-Oeste.
Nesse sistema, o número de delegados dos estados mais populosos pode ter um impacto decisivo, algo semelhante ao que ocorre nos EUA, onde o candidato vencedor na Califórnia, Texas e Flórida geralmente tem uma vantagem significativa.
(*) Especial para o Brasília Capital