A Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) estima que, apesar dos 5 mil transplantes renais anuais, há 30 mil pessoas à espera de um de rim no Brasil. César Augusto Coelho dos Santos, 60 anos, morador do Sol Nascente, Ceilândia, é uma delas. O eletricista de caminhão começou a fazer hemodiálise em março por causa da insuficiência urinária.
Fez exames no início do ano, mas o retorno só no fim de setembro. Embora com quatro filhos doadores, ele está na fila à espera de um rim. Antes de acessar a hemodiálise, enfrentou diagnósticos errados até chegar ao programa Mais Médicos.
“Descobri com o médico cubano. Só me alimentava com vitamina e pão. Perdi 20 kg. Pensava ser estômago. O cubano viu que era rim e me encaminhou ao nefrologista”, conta. Depois da hemodiálise, ganhou vida nova. “Perto do que estava, estou ótimo”, diz César, que sempre quis saber por que os rins provocaram essa situação.
“São órgãos vitais que exercem funções fundamentais, como a excreção de toxinas, produção de sangue, metabolismo ósseo, controle da pressão e do volume corporal, etc. Quando os rins perdem essas funções, diz-se que o paciente tem doença renal crônica”, explica Fábio Humberto Ribeiro Paes Ferraz, nefrologista e presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia Regional do DF.
Responsável técnico de diálise e supervisor de Programa de Residência em Clínica Médica (PRCM), no Hran, além de professor de medicina na ESCS-DF e doutor em bioética pela Universidade de Brasília, Ferraz diz que, ao contrário de outros órgãos, muitas vezes as doenças renais podem dar poucos sintomas, e, geralmente, não causam dores. Daí a dificuldade da medicina em detectar o problema em Cesar.
O médico esclarece que descontrole da pressão arterial, náuseas ou vômitos, inchaço nas pernas, anemia, dores ósseas e alterações urinárias podem ser alguns sintomas. “Como os rins filtram as impurezas, as alterações de sua função provocam o aumento de uma “sujeira” no sangue, cujo nome é creatinina”, explica.
Quando os rins funcionam menos que 15%, precisa das Terapias Renais Substitutivas (TRS), que substituem as funções renais. As principais são hemodiálise, diálise peritoneal e transplante. A principal, no Brasil, é a hemodiálise.
Epidemia dialítica
Estudos da SBN indicam que 10% da população adulta brasileira tenha algum grau de comprometimento dos rins. A doença renal crônica dialítica é considerada um problema de saúde pública, pois cada vez mais as pessoas estão vivendo mais e portando mais doenças crônicas, sobretudo hipertensão e diabetes.
Estima-se que, no Brasil, cerca de 25% da população adulta é hipertensa; 7% é diabética; e o ritmo de envelhecimento populacional é, extremamente, acelerado. Segundo a SBN, mais de 150 mil brasileiros apresentam doença renal dialítica, com uma prevalência estimada de 600 pacientes por milhão de pessoas.
Cerca de 7% do orçamento do Ministério da Saúde é gasto com TRS, custeando os programas de hemodiálise, diálise peritoneal e transplantes. No DF, a estimativa é a de que mais de 2 mil pacientes realizem hemodiálise.
O Brasil é protagonista no cenário nefrológico internacional, com mais de 150 mil pacientes em programa de diálise crônica. É o quinto no mundo em número bruto de pacientes em diálise e o segundo em número bruto de transplantes renais: cerca de 5 mil por ano, sobretudo com doador falecido. Cerca de 90% desses procedimentos são custeados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
“Em vista de o Brasil ser um país continental e populoso, se corrigido para a população brasileira, o número de pacientes em diálise e o de transplantes por milhão, necessitava ser muito maior. Mas existe uma forte iniquidade no acesso a tais formas de TRS: há mais acesso à diálise e ao transplante renal no Sudeste e Sul em detrimento do Norte e Nordeste do País”, afirma Fábio Ferraz.
A maior parte dos dados sobre doença renal dialítica é compilado pela SBN. Fundada em 1960, ela congrega nefrologistas que estudam as doenças renais no Brasil. Ela tem representações em todas as regiões, como a SBN-Regional DF. A SBN-Nacional emite, anualmente, o Censo Brasileiro de Diálise, ferramenta que permite analisar a situação da diálise em todo o País.
Hemodiálise é a principal TRS
A hemodiálise é a principal forma de terapia renal substitutiva no Brasil (90% casos). Os pacientes, geralmente, comparecem três vezes por semana ao centro de diálise para as sessões que duram cerca de 4 horas. O sangue é filtrado por meio de um acesso vascular. São retiradas as toxinas que se acumulam pelo não funcionamento dos rins. Os pacientes também costumam tomar remédios para controle de anemia e para o metabolismo ósseo.
A maioria dos centros de diálise é conveniado ao SUS, mas tem distribuição assimétrica no território nacional. Pelo Censo de Diálise de 2018, dos 786 centros ativos, 73 estão no Centro-Oeste e 1/3 deles no DF.
Peritoneal – A diálise peritoneal responde por 8% da forma de TRS. Diferentemente da hemodiálise, é inserido um cateter no abdômen do paciente. Diariamente, em um período de 6 a 8 horas, uma máquina (cicladora) coloca um líquido que retira as toxinas dos delicados vasos que irrigam a região abdominal.
O tratamento é realizado diariamente, em domicílio. O paciente só precisa comparecer uma vez por mês à clínica para ajuste do tratamento e consulta com o médico nefrologista. Muitas vezes o tratamento é feito à noite. É uma forma de tratamento indicada para pacientes que desejam mais autonomia, além de idosos, diabéticos ou com problemas de mobilidade, mas que tenham autocuidado para evitar infecções na região peritoneal.
Transplante recupera o rim
O transplante é a forma de TRS que recupera todas as funções renais e pode ser de dois tipos: com doador vivo e com doador falecido. Pela legislação, no caso do transplante com doador vivo, o paciente pode receber o órgão de um membro da família até o quarto grau de parentesco. O objetivo é coibir o comércio de órgãos.
Ambos – doador e receptor – necessitam ter condições clínicas para realização do procedimento. Nos casos de doação entre cônjuges, é necessário autorização judicial para evitar “compra de órgãos”.
No caso do transplante com doador cadáver, o paciente recebe o órgão de uma pessoa em morte cerebral, mantida viva por meio de aparelhos até que seus rins sejam retirados. Os receptores são selecionados pelo critério de maior compatibilidade.
“A despeito dos 5 mil transplantes renais feitos por ano, a lista nacional de espera por transplante renal – sobretudo de doadores falecidos – é de 30 mil pacientes, não havendo, dessa forma, órgãos para todos, uma vez que a demanda é muito maior do que a oferta”, afirma Ferraz.
Os pacientes candidatos a receber rim de doador falecido entram em uma lista de transplante e o período médio de espera é de 8 anos. Os transplantados necessitam tomar remédios para evitar rejeição. São os imunossupressores, medicamentos de alto custo e fornecidos pelo SUS. No DF, os transplantes renais são realizados no Hospital Universitário (HUB) e no Base (IGES-DF).
Tratamento renal entra em crise na pandemia
“A chave do tratamento da doença renal é a prevenção”, assegura dr. Fábio Ferraz. Até porque, segundo ele, o tratamento dos pacientes vem sofrendo muito devido aos baixos repasses para as diversas formas de TRS.
“O número de pacientes necessitando de diálise é muito maior do que o de surgimento de novos centros de diálise. Tal assimetria se acentuou durante a pandemia da covid-19, uma vez que a legislação criou várias exigências – sobretudo para os centros de diálise, como necessidade de máscaras e Equipamentos de Proteção individual (EPI) sem a devida contrapartida financeira”.
Além disso, vários programas de transplantação renal foram interrompidos devido ao risco do impacto de imunossuprimir pacientes durante a pandemia.
Como prevenir?
O médico explica que há muitas formas de prevenir as doenças renais. “Pacientes hipertensos, diabéticos, idosos e com algum histórico de doença familiar necessitam, anualmente, fazer exames rotineiros – dentre eles a dosagem da creatinina no sangue, além de exames de urina simples e ultrassom dos rins”.
Além disso, medicamentos potencialmente lesivos aos rins, também chamados de nefrotóxicos, como os anti-inflamatórios, devem ser evitados. O controle rígido da diabetes e da hipertensão é preconizado. Ele informa que pacientes idosos com problemas na próstata podem adquirir doença renal, assim como casos não adequadamente tratados de pedras nos rins (litíase renal).
“É importante o seguimento em um médico generalista para que, quando os exames vierem alterados, tais pacientes sejam precocemente referenciados a um nefrologista”, finaliza.