Caroline Romeiro (*)
Vivemos um momento decisivo para a sobrevivência dos sistemas alimentares: a combinação entre a crise climática e os modelos de produção alimentar coloca em xeque não apenas o que comemos, mas como, onde e com que justiça social esse alimento chega à mesa.
Quando se fala em sistemas alimentares — o conjunto de produção, processamento, distribuição, consumo e descarte de alimentos — reconhece-se que cada elo pode amplificar ou mitigar os efeitos da mudança climática.
No Brasil, isso se traduz em desafios complexos: como garantir que pequenos produtores familiares, comunidades tradicionais e populações vulneráveis tenham acesso à alimentação adequada, ao mesmo tempo em que se preserva o solo, a água, a biodiversidade e se reduz a emissão de gases de efeito estufa oriundos dos processos agrícolas?
O impacto da mudança climática sobre a produção de alimentos já se faz sentir: secas mais intensas, chuvas extremas, elevação de temperaturas e deslocamento climático afetam tanto a oferta quanto os custos dos alimentos.
Isso reverbera no acesso — sobretudo naqueles com menor poder aquisitivo — e no consumo, em termos de escolhas alimentares, qualidade nutricional e segurança alimentar.
A lógica de que é possível dissociar nutrição, produção e clima torna-se cada vez mais insustentável: alimentação saudável demanda produção e cadeias de distribuição resilientes aos danos ambientais e ao aquecimento global.
Estudos recentes indicam que dietas saudáveis podem também ter menor pegada de carbono — ou seja: existe uma interseção clara entre nutrição, consumo consciente e mitigação climática.
Para os profissionais de nutrição e para os formuladores de políticas públicas, isso significa olhar para além da clínica e da alimentação individual: significa atuar sobre políticas que promovam acesso a alimentos produzidos de forma sustentável, cadeias abastecedoras de baixo impacto ambiental, práticas agrícolas que priorizem agroecologia, sistemas alimentares que respeitem culturas locais e garantam soberania alimentar.
O papel do Conselho Federal de Nutrição (CFN), que estará presente na COP 30, será articular conhecimento técnico-científico, mobilizar atores públicos e privados e promover a construção de políticas intersetoriais que coloquem a nutrição no centro da transformação climática.
Somente assim poderemos assegurar que a próxima década seja de fortalecimento da alimentação saudável, da justiça alimentar e da adaptação às mudanças climáticas, em benefício da saúde da população e do planeta.
(*) Mestre em Nutrição Humana, Coordenadora Técnica do Conselho Federal de Nutrição (CFN), Docente da Universidade Católica de Brasília (UCB)