Mônica Caldeira (*)
Basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. A frase, do século passado, é da professora, escritora, filósofa e ativista feminista Simone de Beauvoir. Mas segue atual. E é também nas urnas que as mulheres expressam a preocupação com o que sintetizou Beauvoir.
Ainda que o pensamento da professora feminista não seja amplamente conhecido, as mulheres, sobretudo as negras, têm plena noção do que disse Simone de Beauvoir. Um conhecimento adquirido no dia a dia de privações e opressões.
Prova disso foi o fosso que se abriu nas intenções de voto entre homens e mulheres nas eleições de 2018, quando pesquisa do Ibope mostrou que, abertas as intenções de voto por sexo, Bolsonaro tinha apoio de 36% dos homens e 18% das mulheres.
O então candidato chegou a verbalizar que não estupraria a deputada Maria do Rosário por ela “não merecer”, e defendeu que mulheres deveriam receber menos que homens, já que engravidam. Só quem é mulher pôde, de fato, temer nas proporções devidas as políticas que poderiam ser implementadas caso Bolsonaro fosse eleito.
Por uma série de fatores – a maioria deles intragável – ele se tornou presidente do Brasil. E como era de se esperar, a máxima de Simone Beauvoir foi colocada em prática. A crise na política gerou falta de governabilidade, desrespeito às instituições, o toma-lá-dá-cá, os casos de corrupção seguidos de decretos de sigilo.
Na economia, desinteresse dos investidores, desemprego, inflação. Na religião, a apropriação de crenças para a imposição da intolerância, do ódio, da violência. Crises geradas intencionalmente para convergir no afago ao deus mercado.
Como resposta às crises, políticas cruéis para as mulheres, como o Teto de Gastos (EC 95), a reforma trabalhista e a reforma da Previdência. Elas atingem toda a sociedade, mas têm como alvo prioritário os direitos das mulheres, principalmente as negras.
Por causa do teto de gastos, o País que tem uma das mais altas taxas de feminicídio do mundo não construiu novos abrigos para mulheres, por exemplo. Como consequência da reforma trabalhista, o Brasil chegou a números históricos de desemprego e condições alarmantes de precarização do trabalho.
E foram as mulheres, sobretudo as negras e pobres, as primeiras a serem demitidas de seus postos de trabalho. Entre as perdas com a reforma da Previdência, mulheres tiveram que trabalhar mais (inclusive mais que os homens, com a alteração da idade mínima de aposentadoria) e ter maior tempo de contribuição.
Historicamente tratadas com desigualdade, mulheres tiveram seus direitos previdenciários desigualmente impostos, e aumentaram seu sacrifício enquanto trabalhadoras. Isso sem falar que, com Bolsonaro, a violência de gênero também cresceu.
Segundo o Barômetro de Alerta sobre a situação de direitos humanos e ambientais realizado pela Coalizão Solidariedade Brasil, em 2019, três em cada dez mulheres sofreram algum tipo de violência e um estupro foi cometido a cada oito minutos. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, quatro mulheres são vítimas de feminicídio por dia no País, e o assédio e a importunação sexual teve crescimento de 17% – a maioria das vítimas negras.
Muitos dos nossos direitos foram questionados com afinco nos últimos anos, inclusive o direito ao corpo, à dignidade, à vida. A resposta a isso vem sendo mostrada, de novo, nas intenções de voto. Pesquisa Datafolha do dia 15 de setembro mostra que 46% das mulheres dizem votar em Lula, enquanto 29% escolhem Bolsonaro.
Embora a equipe de Bolsonaro venha dando duro para que o candidato atinja uma porcentagem maior do público feminino, ele tropeça na própria misoginia. O ataque à jornalista Vera Magalhães no primeiro debate realizado entre presidenciáveis deixou isso claro.
Bolsonaro tem desprezo pelas mulheres e nem repara. Para ele, isso sempre foi naturalizado. Ele mesmo disse: “Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”.
Nós, mulheres, somos determinantes na decisão dos rumos do País e das nossas vidas. Somos 52,5% do eleitorado e, juntas, podemos eleger quem faça um Brasil e um DF diferentes: com oportunidade de emprego e igualdade salarial, com direito à creche, com escolas públicas de qualidade, com serviços públicos que atendam nossas necessidades. Um Brasil que não coisifique as mulheres, que preze pela nossa segurança e pelas nossas vidas. Um Brasil que nos respeite e que nunca mais questione os nossos direitos.
Vamos às urnas dia 2 de outubro com essa consciência.
(*) Professora e coordenadora da Secretaria de Assuntos e Políticas para Mulheres Educadoras do Sinpro-DF
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