Anna Ribeiro (*)
Eu não sei você, mas eu tenho memórias olfativas muito marcantes. O cheiro de bolo quentinho sempre me leva para a mesa da cozinha. Lá estão meus avós, meu pai, alguns tios e tias. Os primos em festa. A alegria do instante.
É isso que eu busco quando decido fazer um bolo. Convido para compartilhar os que já partiram. Ainda que eu esteja só, num instante vem um universo de lembranças. Eu não quero o bolo, eu quero a lembrança, a presença, a visita.
Hoje senti um perfume diferente na casa. O bolo de laranja que acabou de sair do forno invade a casa com sabor de lar. Não sei explicar, mas esse cheiro de bolo quentinho me traz o aconchego de estar em casa. As pessoas falando todas ao mesmo tempo, os risos, as interjeições, o compartilhar.
A mesa é lugar sagrado. Lugar de construção familiar, de ensinamentos. É lugar para descalçar os pés, lugar para descarregar os pesos. Lar é laboratório. É o nosso microcosmo. É onde a gente ensaia o que seremos na vida.
Hoje tem cheiro de café coado, cheiro de abraço, de flores recém-colhidas. Aqui temos um pouquinho do mundo, mas a gente pode ficar descalço, desnudo, descansado. Casa é também lugar de desorientação. Quer coisa mais importante na vida? Como é bom um gole de caos para organizar os sentimentos e, principalmente, para dar sentido à vida!
Hoje tem música, tem prosa, tem tanta coisa. Estamos fartos de amor. Aqui, vez ou outra, o doce azeda, o bolo queima, o café esfria. Mas seguimos, ora em pleno tumulto, ora em quietude, silêncio. Afetados.
Compartilhamos afetos, dificuldades, dores, conquistas, xícaras de café e bolo de laranja.