A
13ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançada nesta semana
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mostrou que a taxa de
feminicídio – assassinato de mulheres por violência doméstica ou por
discriminação de gênero (por ser mulher) – cresceu 4%. Embora o estudo mostre
que a taxa de homicídios no Brasil caiu 10%, em 2018, a cada 8 horas uma mulher
é assassinada.
Divulgado
na terça-feira (10), o estudo mostra que 1.151 mulheres foram mortas em 2017,
que esse número cresceu em 2018, e que o assassinato de mulheres por violência
doméstica ou por discriminação de gênero ocorre em todas as faixas etárias. Porém,
é muito maior entre mulheres negras, com pouco estudo e na faixa dos 30 anos.
O
estudo mostra também que o feminicídio cresceu em todas as unidades da
Federação e sua extensão aparece muito maior nos estados do que na média
nacional. Em Sergipe, por exemplo, o feminicídio cresceu 163,9%, e no Amapá,
145,2%.
O
documento reúne dados baseados nos registros dos Boletins de Ocorrência
enviados pelos estados ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Mas, no caso
da violência doméstica e feminícidio, os números podem ser piores, porque a
taxa de registro em BO é muito baixa.
Movimento de mulheres
Isabela Guimarães Del Monde, co-fundadora da Rede Feminista de Juristas, afirma que “houve aumento da violência contra as mulheres e do feminicídio, e não apenas o aumento no número de denúncias feitas pelas mulheres”Uma
pesquisa intitulada “Raio X do Feminicídio”, coordenada pela promotora Valéria
Scarance, do Ministério Público de São Paulo, indica que somente 4% das vítimas
do feminicídio haviam registrado um BO contra o agressor antes de serem
assassinadas, e apenas 3% tinham medida protetiva.
A
pesquisa demonstra o que vem sendo denunciado pelos movimentos de mulheres: Os
números do feminicídio podem ser ainda piores. Isabela Guimarães Del Monde,
co-fundadora da Rede Feminista de Juristas, afirma que “houve aumento da
violência contra as mulheres e do feminicídio, e não apenas o aumento no número
de denúncias feitas pelas mulheres”.
Ela
explica que o crescimento reflete a falta de investimento do orçamento federal em
políticas públicas de proteção à mulher e de combate ao feminicídio. “Desde
2016, houve uma drástica redução do orçamento federal destinado a
políticas públicas de proteção à mulheres. O resultado é o aumento da
vulnerabilidade que o grupo enfrenta”.
No
entendimento da Rede Feminista de Jurista e dos movimentos de mulheres os
números reais desse crime só serão computados quando a sociedade parar de
responsabilizar a mulher pela violência que ela sofre. “Só quando for criada a
cultura da denúncia e do acolhimento à vítima e à sobrevivente”, afirma
Isabela.
Ela
esclarece que para isso acontecer é preciso haver investimento financeiro
público em polícia científica e investigativa que faça apurações corretas de
acordo com as melhores práticas internacionais de investigação de crimes
baseados em violência de gênero.
“É
preciso que investigações sejam feitas sem base em mitos e sensos comuns e
também que todos os aparatos envolvidos em casos de crimes como as delegacias,
hospitais, IML [Instituto Médico Legal], Ministério Público, Judiciário,
advocacia, etc. sejam reorganizados para a compreensão sobre violência baseada
em gênero”.
A
promotora observa que esse investimento do País nesse problema será difícil na
gestão de Jair Bolsonaro, uma vez que “o presidente, declaradamente, é contra
os direitos humanos e o conhecimento. Logo, é uma gestão que ignora o fato de
que é a partir da educação, dos dados da pesquisa científica e do investimento
em políticas públicas que se altera o cenário de violências”.
Feminicídio cresceu 52,3% no DF
A
13ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra que o Distrito
Federal é uma das unidades da Federação massacradas pelo crime do feminicídio.
Para o movimento de mulheres, chega a ser perigoso ser mulher na capital do
país.
Os
índices de 2018 mostram que foram registrados 45 homicídios de mulheres e 28
foram feminicídios. Um aumento de 52,3% em relação ao mesmo período de 2017. De
acordo com o Anuário, houve o registro de 1,7 ocorrência a cada 100 mil
mulheres. Isso confirma o número reduzido de registros e também o aumento da
violência.
Assim
como no resto do país, no DF as vítimas eram, majoritariamente, negras (61%) de
30 a 34 anos (16,1%), companheiras ou separadas do agressor (88,8%) e possuíam
apenas o ensino fundamental (70,7%). Além disso, a imensa maioria (65,8%) foi
assassinada dentro da própria casa.
Estupro na capital
O
Anuário indica que houve queda nos registros de estupros e tentativas de
estupros na capital. Com 789 casos consumados – 100 a menos que 2017 -, o DF
vivenciou queda de 9,3% nas denúncias do crime.
Quanto
às ações não consumadas, foram 96 ocorrências, em 2018, contra 111 no ano
anterior, com queda de 11,6% nas tentativas de estupro. O Anuário mostra ainda
que o principal alvo dos agressores são meninas de 10 a 13 anos (28,6%), negras
(50,9%) e que têm relação com o autor (75,9%).
Brasília lidera o ranking da
violência doméstica
Em
2018, foram registrados 14.983 casos de lesão corporal dolosa (violência
doméstica), 402 casos a mais se comparado ao ano anterior, ou 5% de aumento. Em
números absolutos, é o DF está no sexto lugar entre os maiores índices do País,
ficando atrás apenas do Estado de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul,
Minas Gerais e Santa Catarina.
Nesse
item, a taxa assustadora revela que a cada 100 mil mulheres, 503,7 foram
vítimas de violência doméstica. A média da capital do país é a mais alta do
Brasil. No ranking, Mato Grosso registrou 396,5 casos a cada cem mil mulheres.
Para a deputada distrital Julia Lucy (Novo), procuradora da Mulher no DF, os números de agressões domésticas comprovam um método progressivo da violência contra a mulher até o feminicídio .
Foto CLDF
Para
a deputada distrital Julia Lucy (Novo), procuradora da Mulher no DF, os números
de agressões domésticas comprovam um método progressivo da violência contra a
mulher até o feminicídio. “Raramente o agressor vai matar de primeira. Começa
com xingamentos, privações econômicas, e só depois vira agressão; é uma
escalada de violência”, comenta a parlamentar.
“Quando
uma mulher não faz registro, vai direto ao hospital, não contabiliza. A gente
não consegue nem estimar, porque nem todas denunciam”, acrescenta Lucy. Assim,
segundo ela, os números podem não bater com a realidade, até porque o combate a
esse tipo de agressão “depende de uma cultura de denúncia; a mulher precisa
saber que está sofrendo violência, dela ter coragem, e ter condições econômicas
para denunciar”, completa a deputada.
Perfil do feminicídio
O
feminicídio ocorre em todas as faixas etárias, mas é maior entre mulheres em
idade reprodutiva, sendo 29,8% de vítimas entre 30 e 39 anos; 28,2%, entre 20 e
29 anos; e, 18,5%, entre 40 e 49 anos quando foram mortas. Na maioria dos casos
(88%) foram assassinadas pelos próprios companheiros ou ex-companheiros.
O
crime não tem idade para acontecer, mas tem cor e classe social. As mulheres
negras são as que mais morrem. São 61% das vítimas, contra 38,5% de brancas,
0,3% indígenas e 0,2% amarelas. Em 70,7% dos casos, tinham no máximo ensino
fundamental.
O
movimento feminista é unânime em dizer que isso ocorre porque a mulher negra
nunca conquistou a cidadania plena e muitas ainda são tratadas como objetos. Elas
são as que seguram a base da sociedade e estão nas posições mais precárias no
acesso ao mercado do trabalho, na saúde, moradia, direitos sexuais e
reprodutivos. São vistas como objetos eróticos e não como seres humanos.
Estudos
dos movimentos de mulheres mostram que, quando podem, essas mulheres fogem das
relações violentas. E quando fogem, levam os filhos. Porém, a maioria continua
vivendo com os homens agressores porque não têm uma rede de apoio e se mantêm
nos lares desestruturados.
Também
demonstram que o fim disso só será possível com combate do Estado à violência
contra a mulher, contra o racismo e contra a LGBTQfobia.